Cassandra sabe...

14/02/2024
Muitos atores do setor mineral acreditam que a coisa mais importante a se fazer é controlar custos

 

Algumas pessoas dizem que os mitos são ‘... coletâneas falsas de crenças que são usadas para justificar um padrão social...’. Eu acredito que mitos são valiosos, já que ainda que sejam histórias não “verificadas” ou “constatadas”, servem como poderosas metáforas para nos fazer pensar e refletir. 

Conta o mito que o deus Apolo, conhecido na Grécia antiga como o deus do Sol, das Artes, da Medicina, da Música e da Profecia, se apaixonou por Cassandra, filha de reis de Troia, e lhe ofereceu o dom da profecia em troca do seu amor. Cassandra aceitou a oferta do deus grego, e Apolo então lhe concedeu esse dom. Cassandra, porém, não cumpriu com sua parte do trato. Dons que eram concedidos por deuses não poderiam ser ‘retirados’, e, portanto, Apolo decidiu castigar Cassandra retirando dela o poder da persuasão. O resultado foi que Cassandra tinha o poder de ver o futuro, mas ninguém ao seu redor acreditaria em suas profecias.

Desde o último trimestre de 2023, alguns setores da nossa indústria vêm sofrendo com custos operacionais inflacionados e preços de vendas reprimidos. Alguns de nós já vimos esse cenário nos setores de metais preciosos, metais ‘bulk’ e metais básicos. Muito embora as épocas e as causas raízes sejam diferentes, as ações – ou melhor, as reações – de alguns investidores e outros atores do setor continuam sendo as mesmas.

Por termos menos influência na determinação dos preços finais dos nossos produtos, muitos atores do setor mineral acreditam que a coisa mais importante a se fazer é controlar custos. E obviamente eles estão certos. Controlar custos é uma constante em todos os setores da economia, e mais ainda naqueles onde se tem menor controle sobre os preços de venda. Mas o ponto que lamentavelmente ainda não é discutido o suficiente é a forma que esses custos podem ser controlados.

Na nossa indústria, alguns ganhos de produtividade em áreas-chave do negócio têm um impacto desproporcional, tornando a conversa muito mais interessante para aqueles que, como eu, acreditam em gerenciamento de valor e não o puro gerenciamento de custos. O desafio como sempre é que para se atingir ganhos de produtividade deve-se investir.

E daí entramos – mais uma vez – em um ciclo destrutivo nas organizações e no setor. Cenários mais desafiadores de preços levam gestores a ajustar suas estratégias de treinamento e desenvolvimento, a implementar políticas de redução de custos de curto prazo que têm um impacto mínimo no resultado financeiro e um impacto devastador na organização. Os ingleses têm um termo muito bom para isso: ‘... penny wise, pound fool...’ – ou seja: preocupa-se com os centavos, enquanto o real valor se dissolve.

E como sabemos o impacto pode ser devastador. Economias no curto prazo em áreas de manutenção, em desenvolvimento de mina e em processos produtivos que demorarão muito tempo para serem recuperados. E, da mesma forma, economias em áreas envolvendo pessoas que, infelizmente, podem afastar o talento das organizações. Você já se sentiu como Cassandra? Vendo o futuro por ter vivido o passado e não ser ouvido? Já teve ‘profecias’ dizendo que algumas ações (ou reações) que estão sendo implementadas trarão consequências desastrosas no longo prazo?

A reflexão aqui tem duas esferas: a primeira é aceitarmos que nosso setor é transformador no longo prazo. Não podemos nos confundir achando que ações (ou reações) de curto prazo vão resolver questões estruturais. As ações de curto prazo devem ser orquestradas no plano integrado de longo prazo. Aqui, diversos atores devem ser informados – investidores, instituições financeiras e os próprios profissionais da mineração. A segunda reflexão é entendermos se não temos Cassandras nas nossas organizações – profissionais ou outras partes interessadas que por alguma razão não estão sendo ouvidas. Nos momentos mais difíceis, temos que investir no que é mais precioso em qualquer organização: o talento. (Paulo Castellari Porchia)