A extração e comercialização ilegal de minérios e a governança da mineração no País

25/06/2024
José Jaime Sznelwar (*)

 

Recentemente, tomamos conhecimento de desentendimentos entre a diretoria da ANM, com ampla divulgação em redes sociais a respeito de apreensões de manganês extraído ilegalmente.

A extração e comercialização ilegal de manganês é um dos mais graves delitos que tive oportunidade de conhecer durante o período em que estive na ANM. Da mesma forma, o combate conduzido pela ANM representou -- e continua representando -- uma ação relevante e de grande importância para a existência da atividade de mineração organizada e sustentável no País.

É sabido que uma fiscalização presencial de toda a atividade de mineração, seja pela quantidade de locais onde se realiza, seja pela dispersão territorial, é praticamente impossível. No entanto, uma fiscalização baseada em INTELIGENCIA, pode trazer relevantes resultados. Esta modalidade considera o cruzamento de bancos de dados, ações conjuntas de diversos órgãos e utilização de recursos tecnológicos disponíveis como imagens de satélite, drones, inteligência artificial e recursos avançados de análise química e mineralógica.

Ação ilegal é aquela que não está sendo executada conforme legislação vigente. Logo, o responsável por essa ação está executando um crime, sujeito a penalidades previstas. Por outro lado, o agente público, ao tomar conhecimento deste crime, tem o dever de buscar coibí-lo, caso contrário estará sendo OMISSO, cometendo o crime de PREVARICAÇÃO.

Nos últimos anos, o aumento de demanda de minério/concentrado de manganês nos mercados internacionais, resultou em aumento de preço e maior interesse em sua comercialização

No entanto, esta situação de mercado fez com que com surgissem várias situações de usurpação de bens minerais, propriedade da União, caracterizada pela extração ilegal sem título autorizativo, ou então em desacordo com os termos desse título.

Uma situação exemplar de grande preocupação é a ocorrência de atividade de extração irregular na Faixa de Servidão da LT CC 800 kV Xingu/Estreito. “Além de irregulares, utilizam explosivos que comprometem a integridade física deste empreendimento, responsável por quase 50% da geração da energia elétrica produzida na UHE Belo Monte”.

A ANM - Agência Nacional de Mineração, por seus atos constitutivos, não tem o papel institucional de anuir ou permitir a exportação de bens minerais. No entanto, tem a obrigação de combater a lavra ilegal e realizou operações em conjunto com a Polícia Federal, Receita Federal, Marinha e Secretaria da Fazenda estadual. Neste tipo de operação, quando o minério é apreendido em instalações portuárias pode vir a causar embaraços e constrangimentos. Uma carga apreendida fica por muitos meses ocupando espaço em pátios e armazéns.

A ANM se predispôs, na época (2020 e 2021), a responder consultas de autoridades portuárias e fazendárias, para o esclarecimento de dúvidas quanto à origem dos minérios remetidos aos recintos portuários, ou interceptados em rodovia. O número do processo, indicado na Nota Fiscal, é um caminho para verificar se de fato a atividade existe, além de dados de produção através do Relatório Anual de Lavra e dos dados de recolhimentos de CFEM. E, se necessário, vistorias no local.

Na região sul do Estado do Pará, próximo a Marabá, na época, estavam catalogados 104 pontos de lavra ilegal, com 14 pontos de britagem também ilegal, um volume assustador.

A situação foi considerada de extrema gravidade e a forma encontrada para enfrentar esta grande demanda de fiscalizar baseou-se em buscar operações conjuntas com a Polícia Federal, com a Receita Federal e Marinha.

Algumas incursões em campo foram realizadas, inclusive operações em área de extração, áreas portuárias, sempre em conjunto com a Polícia Federal, visando estancar a extração indevida e o escoamento do concentrado de manganês escoado via marítima.

Foram identificadas diversas empresas, ou pessoas físicas, participando em cada etapa na operação, que tem início com a extração mineral e se encerra no embarque do minério para exportação.

Entre os vícios verificados nas diligências, citamos:

  • Extração fora do local autorizado no título (Portaria, Guia de Utilização ou PLG) mencionado nos documentos fiscais
  • Menção falsa de título, verificada em banco de dados da ANM, por vistoria in loco, ou fotos de satélite.
  • Notas Fiscais, ou Conhecimento de Transporte, com referência a direitos minerais de outros estados e sem apresentar carimbos ou evidências de terem passado limites de estados, no seu trajeto até o porto de Vila do Conde;
  • Guias de Utilização vencidas, sem pedido de renovação tempestivo.
  • Lavra fora da poligonal.
  • Um mesmo processo é mencionado como origem de minério em apreensões realizadas em diversos armazéns.
  • A mesma empresa detentora supostamente de título mineral de origem, é citada em vária situações de minério apreendido em locais diferentes.
  • Observada uma complexa rede de empresas, desde a extração até a venda para mercado externo.
  • Local declarado como extração, incompatível em termos com a logística para chegar ao porto. (distancias próximas a 2.000 km, estradas não apropriadas para escoamento de quantidades mencionadas.
  • Guias de Utilização com prazos vencidos ou com quantidade extraída acima da autorizada.

Percebe-se, na maioria das situações verificadas, a clara intenção de ludibriar as autoridades, seja a ANM, a Receita Federal, com intuito de dar uma aparência de legalidade ao que é fruto de usurpação. Trata-se de uma situação grave, em que os autores atuam com mais agilidade do que os agentes da União e buscam subterfúgios na tentativa de burlar os procedimentos legais vigentes. Existia a possibilidade de que, junto com o minério de manganês declarado, estivessem sendo transportados, armazenados e exportados, minérios de outras origens, misturando materiais de origem legal com parte de ilegal.

Uma perícia no material aprendido deve envolver uma movimentação e amostragem criteriosa, análises mineralógicas e químicas de acordo com normas técnicas. Estes procedimentos só podem ser feitos por empresas especializadas. A ANM não possui pessoal e equipamentos para isso. Esta perícia apresenta um custo muito alto.

O objetivo de se fazer uma perícia do minério apreendido é obter informações a respeito de sua caracterização, e a partir desta informação poder valorizá-lo de forma apropriada e obter alguns indícios que permitam indicar a sua origem, além de fixar valor para cauções e até para leilão e arremate de material apreendido. A caracterização referida consistiria em saber se o minério que se pretende exportar é, de fato, minério de manganês, ou se eventualmente se trata de outro minério, como por exemplo minério de cobre e até verificar se outras substâncias químicas de comercialização não permitida estão misturadas. Minérios que apresentam um teor (quantidade relativa em massa) de, por exemplo, 30%, 40%, 50% de óxidos de manganês, ou outro composto comercializável, possuem preços diferentes; A identificação de que tipo de composto de manganês, ou qual a substância mineral que está sendo objeto de questionamento, pode indicar se o minério é adequado para a siderurgia, baterias ou mercado minero-químico.

A apreensão realizada, como já mencionado, foi feita em conjunto com a Polícia Federal e com a Receita Federal, com base em elementos robustos derivados da competência de cada uma das entidades. A questão de perícia foi sugerida face ao risco de fixação de cauções sem um embasamento qualitativo e avaliação econômica-comercial.

Foram apreendidos, em 2019 e 2020, cerca de 300 mil t de concentrado de manganês, com valor estimado em US$ 36 milhões. Valor tão expressivo gerou uma constante pressão sobre a direção da ANM, através de questionamento oficial de senadores, liminares obtidas para liberação do material, ameaças pessoais. A título de exemplo, uma ordem judicial, de um juiz substituto, pretendeu obrigar a ANM, em prazo de tempo exíguo, a realizar amostragem e caracterização do material apreendido em conjunto com a Polícia Federal e Receita ou, em caso contrário, liberar.

Realizadas as apreensões, surgem novos problemas: a guarda e vigilância do material e depois o desfazimento. A quantidade apreendida é muito grande e não há recursos de movimentação e de caracterização. Talvez um leilão, com todas as despesas cobertas pelos interessados fosse a melhor forma.

O importante a ser mencionado é que medidas para coibir o crime de extração ilegal só podem ser adotadas com uma intenção política clara, mobilização e vontade de realizar por parte dos agentes públicos. Uma posição mais confortável é dizer que o tema cabe a outrem e não fazer nada. O que não condiz com o país que idealizamos. Criar celeumas dentro da ANM é claramente uma ação mal-intencionada de enfraquecê-la ainda mais em seu papel fundamental para governança da atividade de mineração, objetivando interesses econômicos ou políticos particulares ou de pequenos grupos, muito distante dos reais interesses de uma atividade sustentável, moderna, competitiva, econômica e socialmente adequada.

(*) Engenheiro de Minas, Presidente em Exercício da Organização MIneronegócio, Ex-Superintendente de Produção Mineral da ANM, Ex-Secretário de Mineração do Estado de São Paulo, Conselheiro do Instituto de Engenharia, Revista Brasil Mineral e Associação Paulista de Engenheiro de Minas.