Qual o papel do Brasil na transição energética?

29/06/2023
“Minerais Críticos e Transição Energética” foi o tema do primeiro painel do segundo dia do 8º. Encontro Nacional da Média e Pequena Mineração.

 

“Minerais Críticos e Transição Energética” foi o tema do primeiro painel do segundo dia do 8º. Encontro Nacional da Média e Pequena Mineração, que acontece até o dia 29 de junho em Goiânia, juntamente com a Brasmin – Feira da Indústria da Mineração.

Moderado por Rodrigo Martins, Gerente Geral de Exploração da Anglo American, o painel contou com a participação de Paulo Misk, consultor; Elton Pereira, gerente de Exploração da Bahia Nickel; Vicente Lobo, conselheiro Sênior da Sigma Lithium e Luciano Borges, vice-presidente executivo da SVPM – Mineração Serra Verde.

Rodrigo Martins disse que a Anglo American tem como proposta reimaginar a mineração para melhorar a vida das pessoas e a missão de suprir as necessidade do planeta, e os produtos para a transição energética estão dentro do portfólio da empresa. “Os minerais de transição são aqueles necessários para o avanço de tecnologias que contribuam para a baixa emissão de carbono. Neste contexto, a mudança da matriz energética será necessária, assim como a redução das emissões e tecnologias que demandarão mais minerais críticos para a transição energética”. 

O principal desafio para o Brasil para suprir esse mercado, segundo ele, é ter uma política mais clara e o País não tem uma capacidade suficiente para isto atualmente. A exploração mineral está cada vez mais cara e muitos depósitos não são economicamente viáveis. “O Brasil tem mais de 50% do território coberto, o que é um grande desafio para a pesquisa mineral, além de mais de 40% do território com algum tipo de restrição, somados a cerca de 80 mil processos na fila da ANM. Mas o desafio pode se tornar oportunidade graças à geologia multicommodity, segurança jurídica, capacitação, corpo técnico, academia, centros de pesquisa. Falta uma política clara para os minerais críticos e a necessidade de reestruturação da agência mineral, a legislação ambiental para pesquisa mineral. Os principais desafios são o combate ao garimpo ilegal, acesso à terra contra a mineração e novas taxas para o setor e problemas com a cadeia de suprimentos. 

O consultor Paulo Misk abordou algumas ideias sobre minerais críticos e transição energética, ao mostrar os metais utilizados pelas indústrias e como são usados. “Não são só os metais, mas também se usa areia, brita, cimento, fosfatos, sal, ferro, enfim, uma série de minerais necessários para uma boa qualidade de vida e boa tecnologia. Um problema é que para usar energia se emite muito CO2. Precisamos aumentar o consumo de energias renováveis, atualmente na casa de 12%”. 

Para Misk, a mineração fornece matérias-primas, gerando muitos empregos, riquezas e impostos principalmente em regiões carentes e gera um valor muito maior que agricultura e energia por área ocupada. A área ocupada pela mineração totaliza 170 mil hectares e o garimpo quase 200 mil hectares, o que corresponde a um total de 0,04%. “Mineração não destrói grandes áreas. Isso é muito pontual. Temos que ter um olhar para o garimpo que não tem assistência, para trazê-los para a legalidade”. A mineração respondeu por 0,1% do desmatamento em 2022, um percentual bastante baixo. “A mineração é parte fundamental para as novas tecnologias da transição energética, que vai limpar o planeta e evitar o aquecimento global”. 

Para a transição energética é preciso geração de energia renovável, baterias para o grid, soluções para imã do carro, e o Brasil, neste processo, é considerado o terceiro maior país para suprir a demanda desses metais, com todos os problemas que nós temos. Em 2025, a previsão é que o Brasil caia para sétimo lugar e, por isso, devemos ver o que o País precisa para produzir novas riquezas minerais e gerar valor. Temos oportunidades em lítio em Minas Gerais e em Borborema, e cobre, no Pará. O Brasil é o segundo maior produtor mundial de grafite e tem potencial para crescer e ser muito relevante. 

“Em terras raras, o futuro é o magneto para carro elétrico para e a expectativa é que este volume de mercado cresça para 43% em 2033. No Brasil, o lítio aumentou nos últimos anos de maneira fantástica e temos que estar preparados para bons projetos, planejamento, estudos de geologia para enfrentar variações de mercado. O mundo pode ser muito bom para o Brasil, pois o mercado vai variar muito. Ele está cheio de armadilhas”. 

Elton Pereira, da Bahia Nickel, apresentou o projeto Mangueiros, adquirido em 2021, e em termos geológicos, situado no Cráton do São Francisco. “É um projeto de níquel sulfetado (níquel-cobre-cobalto), de larga escala, baixo custo de descoberta e um dos poucos depósitos sulfetados numa jurisdição atrativa”. 

Elton acredita que o projeto tem valor agregado para investidores e novos investidores. “A Bahia Nickel verificou que oito furos estavam mineralizados em 1.500 metros de extensão. Então, na hora que virar uma mina será mais fácil de lavrar e tentamos trazer o projeto para a Appian, mas não foi possível na época”. 

A Bahia Nickel criou um fundo privado para viabilizar o projeto financeiramente, com 52 pessoas, que colocaram US$ 3,2 milhões para pesquisar o projeto, próximo ao Piauí, e poderá se beneficiar para exportação via porto de Pecém, bem situado em suprimento de energia (grid bem estabelecido na região) e de água, pelo Rio São Francisco como fonte para eventual operação. “Desde que assumimos o projeto via licitação, a Bahia Nickel executou amostragem de solo detalhada, levantamento magnético com drone em alguns alvos e estudos iniciais para suprimento de água e energia. Em 2023, há um projeto de 12 mil alvos de sondagem para o projeto Mangueiros e outro empreendimento identificado (Lagoa da Onça) e no final de primeiro trimestre de 2024 “devemos ter recursos verificados no projeto”. 

O projeto, segundo ele, “terá capacidade de 300 milhões de toneladas de minério de níquel sulfetado, com recuperação de 87% de níquel, 82% para cobre e 50% para cobalto e, até meados de 2024, devemos fazer o IPO e um projeto na Bahia, com boa infraestrutura e alinhado ao mercado de transição energética”.

Vicente Lobo, conselheiro Sênior da Sigma Lithium, disse que a solução da mineração está nela própria. A solução para descarbonização e transição energética está no setor, mas sempre apanhamos muito e fomos mal-entendidos. “O Brasil nunca fez política de longo prazo e precisamos colocar pessoas da área (minerador) no Congresso Nacional, pois não temos interlocução política e necessitamos definir um plano de curto e médio prazo, caso contrário, seremos sempre mal compreendidos”. 

Para Lobo, a eletrificação de veículos elétricos no mundo não tem volta e a China está na liderança da maior parte das commodities do mundo. “Melhorar a qualidade de vida do centro urbano e reter capital humano para melhorar o bem-estar são metas chinesas, enquanto a União Europeia quer reduzir as emissões e manter a competividade da indústria automobilística e os Estados Unidos visam à segurança energética e o controle da inflação”. A demanda de baterias de lítio para carros elétricos passou de 34%, em 2015, para 92% em 2030. 

Sobre políticas públicas, Lobo quer a promoção de políticas que agilizem e desburocratizem o capital privado, investimentos em aérea, ferroviária e rodoviária , intensificação dos levantamento geológicos básicos e um plano para dar celeridade como forma de agilizar o desenvolvimento de minerais estratégicos e aportar capital tecnológico em P&D e desenvolvimento de projetos estratégicos em minerais críticos. “Em países vizinhos há políticas industriais para o lítio e um bom ambiente regulatório. Por exemplo, entre 2020 e 2023, Chile e Argentina têm investimentos previstos de R$ 100 bilhões e R$ 78 bilhões, respectivamente, enquanto o Brasil apenas R$ 5 bilhões”. A Sigma Lithium já investiu R$ 2,8 bilhões no projeto de lítio verde no Vale do Jequitinhonha e estão previstos, para 2023, mais R$ 500 milhões. Outras cinco empresas estão chegando na região. 

Luciano Borges, da Serra Verde, disse que o desafio em terras raras é inédito, dos quais a Serra Verde será 5% do mercado mundial nos próximos quinze anos. Sobre política de mineral crítico, Borges disse que mineral crítico é todo recurso mineral que esteja aquém ou muito próximo do nível de demanda e, para tal mineral tornar-se estratégico ele precisa atender à necessidade de um consumidor específico, considerando aspectos como segurança nacional, e do ponto de vista da competividade da indústria, que afeta tanto estratégias nacionais quanto corporativas. Já a transição energética consiste na substituição do atual modelo de energia fóssil para fontes renováveis e voltados aos impactos ambientais, enquanto a política pública é complexa, pois tem setorizações e criam políticas econômicas, sociais, ambientais, etc”. Os limites dessas políticas setoriais são delimitados a partir da relação entre demandas da sociedade e estruturas institucionais, e o contexto da transição energética demanda uma articulação dessa Política Setorial, no caso, a mineral. No âmbito privado, as políticas corporativas têm a capacidade financeira e tecnológica dos agentes, os gargalos decorrentes dos objetivos e meios da Política Pública, já que as oportunidades são na maioria dos casos “externalidades””. 

O suprimentos de minerais críticos é dividido por Borges em três pilares: atratividade, tecnologia e capital. O negócio precisa ser atraente, tecnologia para investir e recursos. Na parte da atratividade, na geologia há de se ter conhecimento básico do território, modelos de depósitos e métodos prospectivos e pesquisa mineral (agentes privados); a segurança jurídica tem que oferecer legislação, ausência de burocracia, competência dos agentes públicos e continuidade e articulação das Políticas Públicas, enquanto a parte do investimento apresenta diversidade nas fontes de financiamento, custo de capital competitivo e retorno razoável. 

Já na parte de Tecnologia há pessoas (disponibilidade), capacitação e treinamento e cultura produtiva/gestão de pessoas, enquanto na parte de pesquisa há a mineral, a tecnológica e pesquisa de mercados; e nas patentes processos e produtos (barreira para agregação de valor), acessibilidade e eficiência para registros de patentes e marcas e estímulo aos pesquisadores, com prêmios reconhecimento e participação nos resultados. 

Por último, para o Capital tem que haver Financiamento (diversificação), marketing setorial, fundos especializados, perfil dos investidores; nos custos (Custo Brasil, carga tributária, custo de capital próprio x alavancagem  e as garantias: estabilidade econômica ,propriedade e controle dos ativos. 

Borges também diferenciou riscos e gargalos, onde os riscos são as externalidades, enquanto os gargalos são algo presente, que está lá. As questões comerciais tem que ter acordos back-to-back (compartilhamento de benefícios), gargalos jurídicos e institucionais. Para mitigar riscos, é necessário o desenvolvimento de políticas públicas de longo prazo, acordos comerciais para garantir acesso a mercados competitivos e gestão dos recursos minerais. Na parte tecnológica é preciso acordos com consumidores finais e investimentos em C&T, mantendo prioridade consistente com os objetivos das políticas públicas. No âmbito comercial, desenvolver o marketing da empresa e do produto, gerenciar compartilhamento de benefícios e implementar melhorias contínuas na gestão de custos e qualidade dos produtos e suas aplicações. 

Na mitigação de gargalos naturais, deve-se rever a ocupação racional dos territórios, em caso de terras indígenas e quilombolas, respeito a diversidade e tradições e crenças, priorizar o zoneamento econômico-ecológico e permitir ao Serviço Geológico Nacional livre acesso às áreas restritivas do território nacional (FLONAS, áreas de fronteira), e estabelecer, quando necessário, procedimentos específicos a serem observados. “Temos que ter uma política que não mude a cada quatro anos e que impulsione o Brasil no mercado internacional”.

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