A prova que todos nós teremos pela frente: a maratona para a economia net-zero

28/12/2022
Iniciamos, neste mês de dezembro, a publicação de uma nova coluna na Brasil Mineral, assinada por Paulo Castellari Porchia, executivo de larga vivência no setor mineral, ocupando posições de decisão em algumas das principais mineradoras, no Brasil e exterior e que atualmente é CEO da Appian Capital Brazil. (do Editor)

 

Por Paulo Castellari Porchia 

É com muita alegria que iniciamos uma jornada com a Brasil Mineral na nossa [Coluna do PCP]. Pensando em jornadas, para o tema dessa primeira edição, conversei com amigos que já participaram de maratonas para tentar entender o segredo do que os leva a concluir esse tipo de prova com sucesso. De todos os pontos que consegui compilar, o que mais me chamou a atenção foi descobrir que, seja qual for o nível desportivo de cada praticante, os requerimentos para o sucesso são sempre os mesmos - comprometimento, disciplina e consistência. Igualmente importante será a capacidade de cada um em se adaptar às condições que se apresentam ao longo daqueles 42 quilômetros. 

A maratona que temos pela frente se iniciou em 1997, com o Protocolo de Kyoto - quando países industrializados concordaram em reduzir as emissões de Gases do Efeito Estufa em 5%. De lá para cá tivemos importantes marcos, como o Acordo de Paris, o qual estabeleceu o compromisso de manter o aquecimento global abaixo de 2ºC em relação aos níveis pré-industriais. Refiro-me a essa jornada como uma maratona pois ambas são longas, difíceis e requerem comprometimento, disciplina, consistência e capacidade de adaptação.

Se estamos falando disso hoje, é porque viemos queimando combustíveis fósseis há mais de 200 anos. E vemos, todos os dias, as consequências disso: derretimento de calotas polares, aumento do nível dos oceanos, furacões, secas, enchentes, dentre tantas outras mudanças ambientais e climáticas. 

Ao longo dessa maratona, tivemos, sim, que nos adaptar. Vários ajustes, mudanças de curso e novos planos foram necessários. Esses compromissos, no entanto, ainda não são suficientemente ambiciosos para atingir o que precisamos. Lamentavelmente, a COP 27, que ocorreu no último mês, não trouxe o rigor que precisamos ou esperávamos. É bem verdade que tivemos avanços significativos, como a criação de um fundo de reparação para países vulneráveis. Mas, por outro lado, foi dada pouca atenção para a redução de combustíveis fósseis e para a revisão das metas de mudanças climáticas. Vimos também – infelizmente – o evento servir de palanque político, sendo até mesmo ‘instagramável’, além de alguns outros retrocessos, como a Alemanha aumentando a queima de carvão mineral após as restrições de oferta do gás russo.

Como os ingleses diriam: ‘... net net...’, alguns avanços, alguns retrocessos... Mas acredito que, neste momento, todos concordamos que o caminho para a economia net-zero é longo e árduo. Para todos os países, para as indústrias e para todos nós. 

E nós, que estamos na indústria mineral, temos que ter clareza do papel crítico que temos na transição para uma economia net-zero. Essa revolução será intensiva em metais e o setor precisar estar preparado para fornecer as grandes quantidades de matérias-primas necessárias para a transição energética. 

Por mais que todos nós saibamos da relevância da nossa indústria como fornecedora dos minerais estratégicos para uma economia livre de carbono, sempre me espanto com os números. Recentemente li um estudo da McKinsey que estimava que o número de painéis solares instalados globalmente teria que ser aproximadamente 8 vezes maior do que o atual para atingirmos o Acordo de Paris. E a taxa de instalação de turbinas eólicas teria que crescer em 5 vezes. Se alguém não enxerga a mineração como uma grande aliada à transição energética, acho que, com esses dados, não há mais argumentos. Afinal, não há painéis solares e turbinas eólicas sem cobre, níquel, zinco e outros metais tão relevantes no nosso dia a dia.  

Para além de atender à demanda para atingir esse cenário, o setor mineral também enfrentará seus proprios desafios – em se preparar para fornecer esses materiais, montar equipes capacitadas, e tambem o desafio de descarbonizar suas proprias operações e crescer de forma cada vez mais limpa. E, nos meus 30 anos de dedicação à indústria da mineração, a evolução que vi do setor nesse aspecto é inegável. Ao longo desse tempo, pude testemunhar grandes avanços da mineração, sejam eles científicos, tecnológicos ou regulatórios – e isso apenas me confirma a capacidade do setor de se reinventar.

Sempre que tenho a oportunidade, gosto de provocar meus times, independentemente de sua área de atuação, questionando-os sobre qual está sendo seu papel na construção de um ambiente seguro e sustentável. O meu objetivo é propor a reflexão de que todos somos responsáveis pela mudança que queremos ver no setor – não apenas áreas correlatas a esses temas. As três letrinhas tão faladas ultimamente, ESG, não podem ficar limitadas aos setores de Meio Ambiente, Relacionamento Institucional e Comunidades. 

E essa é também a reflexão que quero deixar. O setor hoje é responsável por 22% das emissões industriais globais e, com a crescente demanda por recursos minerais, a tendência é que esse número aumente. O que você, mineradora, fornecedor ou cliente está fazendo para contribuir com a redução das emissões dos GEEs? Quais soluções de baixa emissão de carbono podemos adotar para viabilizar o Acordo de Paris?  A sociedade e o mercado estão cada vez mais exigentes em relação às ações ESG, porém, antes de tudo, nós, como setor, também temos que estar. Esse é o grande objetivo.