Países da União Europeia compram ouro ilegal brasileiro
Segundo o estudo ‘Europe’s Risky Gold’, desenvolvido pelo Instituto Escolhas, no ano de 2023 Alemanha, Itália e República Tcheca, importaram 1,7 toneladas de ouro do Brasil, no valor de US$ 99 milhões, sendo que 1,5 toneladas do metal, que vale US$ 93 milhões (94%) estão expostas a um elevado risco de ilegalidade. Este risco surge quando o ouro vem de regiões da floresta amazônica, onde a mineração ilegal de ouro prevalece a partir de lavras garimpeiras. A prova de origem dificilmente pode ser determinada nestas áreas, e fortes sinais de ilegalidade já foram identificados nos estados do Pará e Amazonas. Já o estado de São Paulo não produz ouro, mas escoa o metal tirado das áreas de garimpo. Nessas regiões, há graves indícios de ilegalidade na extração e no comércio de ouro e é difícil atestar a origem lícita do metal. O estudo mostrou ainda que todo o ouro importado pela Alemanha – 1.289 quilos, avaliados em US$ 78 milhões – está exposto ao risco de ilegalidade. No caso da Itália, 71% do ouro importado está exposto ao risco – 254 quilos, avaliados em US$ 15 milhões.
O Brasil é o 14º maior produtor de ouro do mundo e a maior parte de suas exportações tem como destino a União Europeia. De forma alarmante, 54% do ouro produzido no Brasil apresenta indícios de ilegalidade, predominantemente na região amazônica, fato que coloca um desafio significativo para os países que compram ouro brasileiro se quiserem garantir uma troca. A questão do ouro brasileiro é particularmente desafiadora porque a mineração ilegal é desenfreada, especialmente em Territórios Indígenas na Floresta Amazônica, causando danos ambientais, como contaminação por mercúrio e violações dos direitos humanos. “No último ano, celebramos avanços no combate ao ouro ilegal aqui no Brasil, como a adoção de notas fiscais eletrônicas e o fim do pressuposto da boa-fé no comércio do ouro dos garimpos, mas isso é só o início. Enquanto os países importadores continuarem comprando ouro de áreas sensíveis e sem ter certeza de onde ele vem, continuarão estimulando um mercado ilegal. Por isso, a responsabilidade ultrapassa as nossas fronteiras”, afirma Larissa Rodrigues, diretora de pesquisa do Escolhas e responsável pelo estudo.
Na última década (2012-2022), a mineração ilegal de ouro dentro dos territórios indígenas no Brasil aumentou mais de seis vezes. Em 2012, estas atividades representaram 3.459 hectares, enquanto que em 2022, as atividades abrangeram uma área de 22.637 hectares. Os territórios mais afetados incluem, mas não estão limitados ao território Kayapó (13.775 hectares) e o território Munduruku (5.464 hectares), ambos no Estado do Pará, e no território Yanomami nos Estados de Roraima e Amazonas (3.278 hectares). Além disso, os garimpeiros usam regularmente mercúrio – um metal altamente tóxico usado para separar ouro. de outros materiais. Entre 2018 e 2022, o Brasil provavelmente usou 185 toneladas de mercúrio ilegal em operações selvagens de mineração de ouro. Esta utilização é uma bomba-relógio para o ambiente e a saúde das pessoas, especialmente aqueles que dependem dos rios da Amazônia, como indígenas e comunidades tradicionais. Outro dado preocupante é o aumento substancial do desmatamento devido às atividades de mineração na Região amazônica. Entre 2015 e 2023, o desmatamento ligado à mineração totalizou 69.331 hectares e, apesar das variações anuais, a tendência aponta para um aumento da atividade.
Os governos e as empresas devem estar cientes de que pode ser difícil rastrear a origem do ouro ao importar ouro selvagem do Brasil. O ouro selvagem passa por muitas mãos e empresas antes de chegar aos mercados internacionais. Os esforços de due diligence e as políticas de “conheça o seu fornecedor” são incrivelmente desafiadoras neste contexto. Ao contrário do ouro extraído pelas empresas mineiras, que pode ser vendido diretamente das minas, o ouro selvagem segue uma complexa cadeia de intermediários. Inicialmente, o ouro selvagem deve ser vendido a entidades financeiras e instituições autorizadas pelo Banco Central do Brasil. Estas instituições compram ouro de inúmeras minas selvagens - às vezes centenas - e depois repassam-nas para outras empresas e comerciantes para exportação. “Hoje há muito ouro ilegal no Brasil e em zonas de garimpos ainda é muito difícil saber a origem exata do metal, porque não existe um sistema de rastreabilidade de origem. E, para piorar, o ouro, quando sai da área de extração, ainda circula de mão em mão, passando por muitos intermediários, antes de chegar ao mercado externo. Se a União Europeia continua comprando de áreas de risco nesse contexto, como ela garante que não está comprando ouro ilegal? E mais: a União Europeia se importa com isso de verdade?”, questiona Larissa. De acordo com o estudo, as respostas passam pela ação. Todos os importadores deveriam, por exemplo, disponibilizar publicamente informações sobre as minas de origem de suas compras e os nomes e as localidades de seus fornecedores. E os países precisariam adotar processos robustos de devida diligência, independentemente do país de origem do ouro e do volume importado.