Garantia para o fechamento de mina: qual é a realidade?

27/01/2025
Embora o objetivo seja evitar e garantir que as minas tenham suas atividades encerradas sem o devido fechamento, a base técnica apresentada levanta várias dúvidas.

 

No final do ano de 2024, a Agência Nacional de Mineração – ANM lançou a Consulta Pública 6/2024 propondo mudanças significativas nas regras de descomissionamento das minas, com a criação de garantias financeiras para cobertura de riscos. Embora o objetivo seja evitar e garantir que as minas tenham suas atividades encerradas sem o devido fechamento, a base técnica apresentada levanta várias dúvidas.

A Lei 13.874/2019 e o Decreto 10.411/2020 determinam que novas regras devem ser precedidas por uma Análise de Impacto Regulatório – AIR, que deve apresentar evidências concretas do chamado “problema regulatório” e indicar os impactos das soluções propostas. A ideia é resolver um problema sem criar outros. No entanto, a AIR da CP 6/2024 parece se basear em dados imprecisos. O documento aponta o abandono de minas como o problema central, mas não apresenta evidências claras de sua ocorrência em escala relevante. A estimativa de um percentual muito elevado das minas em potencial abandono foi baseada em metodologia imprecisa, admitida pelo próprio estudo. Em vez de um diagnóstico real, o que se tem é uma projeção de cenários hipotéticos.

Vista sob outro ângulo, a CP 6/2024 é um convite para que a ANM e o setor produtivo trabalhem em conjunto para obter dados precisos e confiáveis. Qual o real número de minas abandonadas? Existe mesmo um problema regulatório relacionado ao fechamento de minas? Essas respostas precisam ser obtidas antes de se criar obrigações financeiras pesadas, que podem impactar de forma desproporcional as empresas de médio e pequeno porte, dificultar a análise de viabilidade e implantação de novos projetos ou etapas de expansão de minas já existentes, além de sobrecarregar a já reduzida equipe técnica da ANM.

O contexto se torna ainda mais questionável ao considerar que uma das motivações dessa proposta parece ter sido uma ação judicial específica envolvendo minas de carvão em uma dada localidade, o que não deveria justificar uma norma tão ampla e de grande impacto. Melhor seria buscar uma redução do foco e da abrangência da proposta.

Uma boa prática regulatória passa por uma “afinação”, uma “dosagem” da regulação proposta. Lançando mão de um documento[1] da Agência Nacional do Petróleo – ANP, agência que serviu de paradigma para a equipe da ANM que elaborou o texto em consulta, temos que uma boa regulação deve, necessariamente, “ser (...) proporcional ao problema identificado” e “considerar a distribuição dos seus efeitos entre os diferentes atores e grupos”. Seguindo tais diretrizes, chegamos ao mesmo entendimento da própria equipe da ANM envolvida no assunto: “nas discussões, os membros do grupo sugeriram que inicialmente a minuta da portaria deveria se restringir aos casos de maior risco, excluindo inicialmente a possibilidade de ser universal para todas as minerações e mineradoras.”[2] Ou seja, como nova ferramenta regulatória, deveria ser aplicada, inicialmente, onde a realidade demonstra estar o maior risco de impacto ambiental e social.

Devemos levar em consideração que a atividade de mineração, por sua natureza legal de atividade de impacto ambiental, já é regulada por inúmeros instrumentos aplicados e eficientes que regram as operações no âmbito ambiental e social, incluindo o fechamento das minas. Estas regras estão vinculadas a um amplo arcabouço legal, amparadas desde a Constituição Brasileira até um sem-número de resoluções. Mais recentemente, os princípios de Governança vêm direcionando as empresas a adotarem práticas cada vez mais responsáveis e transparentes. Assim, a autorregulação passa a ter um papel cada vez mais importante para a mineração.

Vale ressaltar que o setor mineral brasileiro, em sua grande maioria, já busca soluções técnicas e ambientais que beneficiam a sociedade. Exemplos como o Parque do Ibirapuera (SP), o Parque das Mangabeiras (MG) e a Ópera de Arame (PR), todos construídos em áreas mineradas recuperadas, mostram como é possível ressignificar esses espaços, trazendo valor social e ambiental. O projeto Transmineração (www.transmineracao.com.br) tem mapeado diversos casos semelhantes pelo país, que merecem ser amplamente conhecidos. O projeto tem como objetivo ampliar a percepção da sociedade sobre a transformação de áreas anteriormente utilizadas para mineração em espaços de convivência e lazer. A mineração é considerada uma atividade-meio no contexto regional, tanto rural quanto urbano, e o site destaca casos de sucesso onde antigas áreas mineradas foram reabilitadas para novos usos.

A iniciativa do website é do próprio setor produtivo mineral, apoiado pelo SIEEG-DF - Sindicato das Indústrias Extrativas do Estado de Goiás e do Distrito Federal e da FIEG – Federação das Indústrias do Estado de Goiás, que não se limitaram ao território do Centro-Oeste e estão abertos a receber contribuições e indicações de áreas transformadas por todo o território nacional.

Os exemplos compreendem atividades de mineração das mais diversas substâncias, como areia, argila, basalto, calcário, ametista e minério de ferro, além de terem origem em diferentes métodos de lavra, como minas a céu aberto, minas subterrâneas, dragagem e outros. Para cada caso, a reabilitação resulta da vocação da área, definida por variáveis ambientais, sociais (aceitação da comunidade, conflitos territoriais, benefícios), técnicas (planejamento, execução e acompanhamento), econômicas (recursos, investimentos, retorno financeiro), temporais (prazo de recuperação e do resultado esperado) e funcionais (uso, destino e população beneficiada).

Dessa forma, a proposta isolada de implantação de uma garantia financeira para fechamento de minas parece não ter em vista toda a complexidade do tema, e assim não alcançar o resultado esperado. No texto proposto, a reabilitação é observada apenas como custo e não como um investimento a ser realizado, com retornos econômicos e sociais. O caminho mais adequado, ao invés da abertura da Consulta Pública, inclusive indicado no próprio estudo da AIR, seria a adoção de ferramentas técnicas mais robustas de monitoramento e análise de dados para mapear o status real das minas. O setor produtivo e a ANM podem unir forças para esse fim. Criar regulações sem uma base de evidências confiável pode enfraquecer o propósito regulatório e impor custos desnecessários ao setor.

É momento de promover um diálogo aberto e construtivo entre o setor produtivo e a ANM. Não é o momento de gerar mais insegurança com regulamentações baseadas em equívocos ou premissas frágeis. A participação de todos é essencial para construir um futuro de desenvolvimento sustentável para a mineração no Brasil. Fica aqui o convite para, juntos, encararmos a realidade e buscarmos soluções concretas.

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Cássia Gomi Geóloga formada pela UNESP (1989), mestre na área de Administração e Política de Recursos Minerais pela UNICAMP (2005) e especialista em ESG pela PUC-Campinas (2023). Experiência profissional de mais de 35 anos atuando na área de Regulação Minerária, Ambiental e Sustentabilidade. Atualmente é consultora e sócia da RG Projetos Ambientais Ltda. e Co-fundadora da CORE.S

 

Luiz Carvalho - Sócio do SMEC Advogados, mestre e doutor pela USP

Luiz Vessani - Geólogo, minerador, Diretor da Abpm, Presidente do Sieeg/Minde e conselheiro da Brasil Mineral

[1] https://www.gov.br/anp/pt-br/acesso-a-informacao/arq/manual-boas-praticas-regulatorias.pdf

[2] Processo nº 48051.000617/2020-16, Reunião nº 6, de 24/03/2020.