Anotações para uma mineração pós-pandemia

06/07/2021
"A mineração brasileira tem um histórico de práticas sustentáveis, que permite nos colocar à frente da maioria dos concorrentes."

 

Por Milton Rego

Há dois meses, escrevi sobre a questão da mudança climática e a postura da China. Volto ao tema com o intuito de contribuir na discussão sobre o papel da indústria mineral brasileira diante da nova ordem mundial pós-pandemia que se desenha.

  • A descarbonização das atividades econômicas será cada vez mais um pressuposto dos países desenvolvidos. Em novembro, acontecerá em Glasgow (Escócia), mais uma edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, a COP26. O compromisso com a neutralidade de emissões em 2050 deve ser confirmado pelas maiores economias durante o encontro. Não existem mais alternativas. A mudança nos padrões de produção será feita “by design or by disaster(1). Em junho, o Valor Econômico publicou uma reportagem revelando que a União Europeia (EU) planeja impor uma taxação de carbono a partir de 2023. A cobrança recairia inicialmente sobre as importações de aço, ferro, alumínio, cimento, fertilizantes e eletricidade. Bruxelas afirma que precisa proteger a indústria europeia da concorrência de importações intensivas em CO2. A nova regulamentação deve ser anunciada em julho;
     
  • Diante dessa realidade, é fundamental que o Brasil se antecipe e participe ativamente das discussões, não apenas como player importantíssimo nesse tabuleiro (pela questão das florestas e do manejo da terra), mas como um país que pode trazer soluções ao planeta. Hoje somos percebidos como um pária no contexto internacional. Isso tem de mudar. Platão dizia que “aqueles que têm a narrativa governam o mundo”. Não podemos achar que essa briga se restringe apenas ao agro. Vai respingar também nas exportações industriais. O setor produtivo mineral precisa ter protagonismo nessa discussão.
     
  • A transição para uma economia líquida zero vai levar tempo, vai impactar a produção e as nossas vidas. Não será uma mudança trivial. Extrapolando o debate específico referente ao setor mineral, é preciso lembrar que também somos agentes de uma discussão em nosso país. Nesse sentido, será importante preservar a pequena indústria, que terá mais dificuldade para se adaptar. O setor irá necessitar de apoio concreto, com investimentos das associações de classe e federações, para realizar a travessia que se avizinha. 
     
  • A posição do Estado é estratégica. Em todas as grandes mudanças, sejam políticas, sejam tecnológicas, o Estado foi decisivo(2). Trata-se do seu papel insubstituível de coordenação. Para mudar a forma como produzimos (tanto bens agrícolas como minerais e serviços) será preciso enviar sinais claros sobre preços e fornecer incentivos reais. Estamos falando de grandes oportunidades de investimento direto, mas também de fluxos substanciais de capital. Espera-se do governo que opere as ferramentas econômicas apropriadas. 
     
  • A não ser que o Brasil opte por medidas restritivas ao crescimento, o que não teria nenhum sentido, não iremos alcançar reduções sustentadas de emissões por meio de bloqueios ou somente graças às mudanças de consumo. Necessitamos de investimento maciço em novas tecnologias, em P&D, tanto das empresas quanto do governo. Em áreas que lidam com impacto em biomas, com gestão de matriz energética, com pesquisa básica, o Estado precisa ser o investidor principal. Grupos de empresas podem (e devem) se unir para desenvolver soluções comuns para problemas comuns. É preciso que cada setor tenha uma agenda pré-competitiva no que concerne às tecnologias de descarbonização.
     
  • A discussão sobre o mercado de carbono, que foi deixada de lado aqui no Brasil, está bombando. Como dito, a EU vai estabelecer uma taxa de carbono. É fundamental, portanto, que a regulação brasileira possa “conversar” com a de outras regiões. O Brasil já manifestou “grande preocupação em relação à proposta de introdução de barreiras comerciais, tais como o ajuste unilateral de carbono na fronteira”. A hora de agir é agora.
     
  • Alguns setores, especialmente aqueles intensivos no uso de energia, terão dificuldade de adaptação pelos altos custos envolvidos e pela necessidade de investimento. Por isso, é importante um enfoque multilateral que remete ao que falamos acima, sobre o papel do Estado na política energética e como coordenador de tecnologias.
     

Os desafios, como visto, são inúmeros. Mas a mineração brasileira tem um histórico de práticas sustentáveis, que permite nos colocar à frente da maioria dos concorrentes. No entanto, o Brasil precisa se antecipar aos movimentos de uma política de mudanças climáticas. Podemos ser até um “early adopter” como a Europa. Tal postura implica em aumento de custos, mas nos levaria a uma situação privilegiada (lembrem-se do que aconteceu com a indústria de semicondutores em Taiwan). Enfim, food for thoughts

O que realmente importa é o diálogo do nosso ”Brasil Mineral” com o governo,  a fim de que o setor tenha voz ativa na política brasileira de emissões. Precisamos construir o nosso lugar em um mundo pós-pandemia.

(1) O tema é discutido no post (https://blogdomiltonrego.com.br/liberdade-igualdade-fraternidadee-sustentabilidade/ )

(2) Veja em (https://blogdomiltonrego.com.br/esses-europeus-retrogrados/ )

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