Os benefícios (e os impactos) da mineração vão além da CFEM

12/08/2021
"CFEM não é tributo e não é compensação no caso brasileiro: é participação no resultado e a utilização da CFEM é limitada àquilo que a sociedade local escolher."

 

O segundo dia da 6ª edição do Mineração & Comunidades, realizado no dia 11 de agosto, no formato virtual, teve o painel “A Gestão Pública Municipal reverte os benefícios da mineração para a sociedade?”. Entre os participantes, Fábio Giusti Azevedo de Britto, pesquisador do CETEM - Centro de Tecnologia Mineral do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), dedicado ao estudo da relação entre mineração, desenvolvimento e territórios e Maria Green, também pesquisadora do CETEM, Daniel Tito Guimarães, Gerente de Performance Social da Anglo American, Gilberto Azevedo, presidente e gerente-geral da Kinross Brasil, Marcelo Dultra, gerente de meio ambiente e relações com comunidades da BAMIN e Rogério de Souza Moreira, advogado, Especialista em Direito da Economia e da Empresa e em Direito Ambiental e Minerário, Consultor Jurídico da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil – AMIG. A mesa-redonda teve a moderação de Fernando Lins, pesquisador titular do CETEM, conselheiro administrativo da CPRM, conselheiro científico do Centro Brasileiro de Pesquisa Física e do Observatório Nacional, e membro do conselho consultivo da revista Brasil Mineral.

Os dois participantes do CETEM começaram o debate apresentando o Núcleo de Estudos em Territórios, Mineração, Sustentabilidade e Desenvolvimento (NETMin). Giusti disse que o Núcleo é um grupo de pesquisadores do CETEM organizados em rede com outras instituições voltadas a trabalhar nos últimos dois anos com os temas de economia mineral, desenvolvimento local e regional, dinâmicas territoriais, governança pública, indicadores de desenvolvimento sustentável e bancos de dados e espacialidade. “Nossa intenção é contribuir falando sobre a CFEM, a importância dela e como ela aparece como elemento central numa questão: Se a mineração é dádiva ou maldição para os territórios. A CFEM é apenas um dos elementos centrais dessa história”. Na continuidade, Maria Green, disse que é difícil falar da complexidade das pesquisas sobre taxação, porque os royalties são instrumentos compensatórios, tanto pela permissão de acessar recurso natural, como de ter direito à exploração. 

A partir de 2007, segundo Maria, há uma ampliação da porcentagem da incidência de cada minério, conjugada com a variação cambial e do preço da commodity. Desde 2017, principalmente em 2018/19/20, a CFEM ganha volume maior com o novo marco regulatório e com a valorização do minério, mesmo não sendo a mesma valorização de anos anteriores. 

Maria comentou ainda que recursos naturais pertencem à União e a CFEM – a compensação mineral – não é tratada juridicamente como tributo, pois é uma receita patrimonial, uma receita originária. “Na nossa pesquisa, queremos fazer uma transparência das informações da CFEM e como ela é paga, o que se chama de fator gerador. Tem uma diferenciação também sobre em qual momento ela vai incidir”. Ela cita que um dos pontos importantes é de que a própria lei exige transparência sobre a CFEM, por ser o principal acesso à renda mineral que se tem na administração pública. 

Giusti deu sequência falando de CFEM, Planejamento Público e Transparência, onde indica que a CFEM tem papel fundamental por ser, em alguns casos, a principal fonte de captação de renda dos municípios. É uma renda ordinária, mas há contradições na sua natureza, pois é uma renda finita. “Se, por exemplo, esse recurso mineral, acabar daqui a 30, 40 anos, essa renda vai deixar de existir para o município. E isto é preocupante para algumas cidades que são altamente dependentes em seus orçamentos”. O pesquisador comenta que tem municípios que pagam os salários dos professores com o recolhimento de 100% da CFEM, além do fato da compensação estar atrelada à volatilidade de mercados, oscilações de preços, demandas, entre outros fatores. 

O pesquisador afirma que o primeiro passo para uma governança democrática é a transparência e por isso decidiram começar a pesquisa por ela. Giusti deixa três premissas metodológicas: 1) Analisar a transparência do uso da CFEM na etapa de planejamento (LOA) e não depois na fase de execução;  2) Utilizar como base o ano de 2019, quando passaram a valer as novas alíquotas da CFEM; e 3) avaliar os 30 municípios que são maiores arrecadadores. “Se for pegar os dados da CFEM na Agência Nacional de Mineração (ANM), eles compõem mais de 90% da arrecadação, e, por isso, são objeto da nossa pesquisa”, afirmou o pesquisador, acrescentando que entre 2019 e 2020 não há mudanças consideráveis entre os 30 maiores. Segundo os níveis de transparência elaborado pelo CETEM, os níveis 3 e 4 são aqueles com maior participação de CFEM em cada LOA frente ao orçamento total do ano. “O nível de transparência zero é quando não se encontra nenhum documento financeiro/LOA, enquanto o Nível 1 considera que a LOA existe e quanto tem de ser recebido de CFEM no ano fiscal. Já o Nível 2 tem uma diferença em relação ao anterior, por mostrar um código específico para receber a receita. No Nível 3 é encontrado o mesmo código no detalhamento de despesas por categoria de despesa ou segundo unidade orçamentária e no Nível 4 aparece o código e unidade orçamentária, porém com maior número de dados”. 

Giusti concluiu que as principais dificuldades na análise das LOAs é que não há um padrão na alocação destas nos sites públicos; há LOAs sem padrão organizacional; os códigos de fontes das receitas também não são padronizados; a própria CFEM e a morosidade nos trabalhos, que são suscetíveis a erros. Entre os desafios, ele citou as discrepâncias dos dados fornecidos pela ANM sobre arrecadação municipal com os valores declarados nas LOAs nos dois anos em análise; em algumas LOAs os valores da cota CFEM não são exatos ao total declarado e a soma das despesas vinculadas, além do conceito de transparência ser relativo no caso das LOAs, pois mesmo as de níveis elevados apresentam inconsistências. 

O próximo participante do painel foi Daniel Tito Guimarães, Gerente de Perforrmance Social da Anglo American. Ele disse que a proposta da companhia é levar os benefícios que as mineradoras podem gerar aos municípios, além desses tributos. “A CFEM tem um caráter finito e os municípios têm que estar preparados para quando isso acabar”. Tito apresentou o Plano de Mineração Sustentável da Anglo American, que, segundo ele, está atrelado ao propósito da companhia em beneficiar as comunidades e criar novos líderes confiáveis. “Nas próximas décadas, as mineradoras têm como desafios operacionais críticos e que precisam ser gerenciados questões como segurança, produtividade, uso da terra, água e energia. Daniel diz que a Anglo faz parte da vida das pessoas e que a empresa contribui positivamente para o desenvolvimento socioeconômico, além de reduzir o impacto ambiental e promover a diversidade para atender cada vez mais a demanda das partes interessadas, que exigem produtos responsáveis atualmente”. 

O Plano teve intenso engajamento interno e externo, análises de oportunidades de riscos e reflexão sobre os ODS da ONU. Os pilares do Plano são três, sendo o primeiro a criação de uma cadeia de valor ética; meio ambiente saudável e comunidades prósperas no entorno dos projetos. “Temos a meta de até 2030 colocar as escolas públicas dos territórios onde atuamos dentre a 20 melhores do estado, enquanto na área da saúde identificamos os melhores vetores de desenvolvimento do setor dentro do ODS 3 e até 2030 gerar ou apoiar cinco empregos dentro do site”. O programa se inicia com a Anglo, mas deixa de ser quando se alcança parcerias de diversos setores com a geração de sinergias. “Ele não é um programa a longo prazo, mas de parcerias para ter um impacto social”. 

Além deste Plano, a Anglo mantém os Investimentos Socioinstitucionais que incluem a pavimentação de rodovias, renovação urbana, reforma e requalificação de unidades educacionais, implantação e reestruturação de unidades de saúde, implantação de centros culturais e esportivos e estruturação de parques e apoio ao turismo. “Estes investimentos diretos têm a parceria do Poder Público com o uso da CFEM”, declarou Tito. 

Gilberto Azevedo, presidente e gerente geral da canadense Kinross, foi o terceiro a participar do painel e citou as operações da empresa em diversos países e, em especial, em Paracatu. A Kinross é a principal produtora de ouro nacionalmente e responde por 22 ou 23% da produção total. 

“A contribuição das mineradoras para a economia das cidades e no seu desenvolvimento social é maior que a CFEM. Temos a geração de seis mil empregos diretos em Paracatu, aquisição de serviços e materiais no valor de R$ 320 milhões, melhora do IDH da cidade, além dos investimentos sociais realizados”. Em 2020, contribuímos com quase R$ 1 bilhão aos cofres públicos federativos e a contribuição com a CFEM foi de R$ 72,5 milhões. “É importante debater a CFEM, mas as empresas são maiores. Os benefícios vão além da contribuição econômica. É muito social e procuramos cada vez mais estar juntos, para fazermos ainda melhor”. 

Marcelo Dultra, gerente de Meio Ambiente e Relações com Comunidades da BAMIN, disse que a empresa atua com quatro pilares fundamentais. O primeiro pilar inclui os cuidados com a operação na mina, cuidado com o meio ambiente, com comunidades e com as pessoas que estão no entorno; o segundo é manter o diálogo o mais próximo possível de todos os setores envolvidos, para que exista uma busca de sinergias em prol da mineração; o terceiro ponto é a capacitação das pessoas para que elas assumam o legado vivo que a BAMIN planeja deixar para o futuro e, por último, a continuidade  do trabalho da empresa na região. 

“A BAMIN tem a mina de Caetité com produção de 1 milhão de toneladas anuais, mas estamos buscando a expansão para adiante atingirmos as 18 milhões de toneladas de minério de ferro. O segundo projeto é o Porto Ilhéus, com capacidade para escoar a produção do agronegócio e de outras mineradoras, além do recente projeto da FIOL, ferrovia que passa por aproximadamente 19 municípios entre Caetité e Ilhéus. Entre mina e porto, vamos gerar cerca de 1.100 empregos diretos.  Com base nos dados do Ministério de Infraestrutura, somente a FIOL irá gerar, no seu projeto completo, 55 mil postos de trabalhos diretos e indiretos, disse Dultra. 

Os três projetos tem licenciamento federal do IBAMA. A mina é baseada no licenciamento estadual. A BAMIN atua de maneira proativa, zelando por tudo e todos. “Tivemos a possibilidade de doar ventiladores , cestas básicas, EPI’s e fardamentos para enfermeiros, geração de renda para pessoas produzirem as máscaras na pandemia”. Outro programa é o de apoio aos municípios. Quando há parceria entre poder público e empresas, consegue-se determinar os benefícios que serão levados ao município, o que faz a transparência ser mais firme e divulgada. Com base nas informações e ensejos dos municípios, estruturamos as ações para atender a população. 

Outro projeto desenvolvido pela BAMIN é o Viva a Cidadania, que combate a violência contra crianças, mulheres, controle de álcool e drogas, capacitação de agentes de saúde para coibir o uso de álcool e prevenção de DSTs. 

Rogério de Souza Moreira, da AMIG, associação que representa 40 municípios de sete estados, disse ser categórico ao responder à pergunta do painel : “É sim, óbvio, que a mineração reverte os benefícios para a sociedade. Mas precisamos questionar  se tudo que a gestão municipal faz se reverte em beneficio da sociedade, independente da receita”. 

Para apimentar a discussão, Moreira fez uma provocação, onde citou três pontos para os outros participantes do painel: 1) discutir, provocar o que significa gestão pública municipal para o Brasil; 2 ) entender como os benefícios são vistos pelo gestor municipal; e 3) Quem absorve os efeitos negativos da mineração? 

Ele disse ainda que embora o Brasil tenha as esferas municipal, estadual e federal, os municípios não têm a devida autonomia administrava financeira e política. “Qual é o papel do município? Por que não participa desde o inicio do processo? Os municípios participam dos investimentos que não são deles. “São pontos que precisamos refletir. “A CFEM é um ponto importante, mas a empresas são muito mais. Elas têm capacidade de influenciar no município, com geração de renda e emprego, recolhimento de impostos, como o ICMS e ISS”.

CFEM não é tributo e não é compensação no caso brasileiro: é participação no resultado e a utilização da CFEM é limitada àquilo que a sociedade local escolher. Se é bem feito ou mal feito, é outra questão. Mas, segundo ele, quem escolhe o destino da CFEM é a sociedade, na LOA. Ele lembra que há o Impacto socioambiental e a mineração faz parte disso. “O maior benefício econômico é a Licença social, porque ela legitima o empreendimento mineral e a relação dele com a rotina da comunidade no entorno do projeto mineral. Não é só questão de explorar o minério, mas a convicção da empresa de que ela faz parte de vários tecidos da sociedade. A empresa é uma pessoa jurídica e tem compromisso com o lugar que ela habita, com o momento em que ela estiver no local e depois”. 

Segundo Rogério, a gestão municipal absorve o passivo. “É evidente que os projetos de grande porte, quando iniciados, geram turbulência na região. Há Fluxo migratório, conflitos culturais, especulações imobiliárias e comerciais e o pior, a segregação – quem é empregado e quem não é, já que a cidade não tem estrutura e as empresas constroem Vilas de Engenheiros, por exemplo. As pessoas contratadas não têm sensação de pertencimento ao lugar”. 

O 6° Mineração&XComunidades tem o patrocínio Ouro da Appian Capital Brazil, Nexa Resources e Companhia Brasileira do Alumínio (CBA), patrocínio Prata da Anglo American, Largo Resources, BAMIN, Buritirama Mineração, Mineração Caraiba e Mineração Rio do Norte- MRN e Aura Minerals e o patrocínio Cobre da AngloGold Ashanti, Bemisa, Kinross e Ramboll, além da coordenação técnica e apoio da Integratio.

Confira a íntegra no vídeo abaixo:

Video Url
1:13 Sessão Vídeo - CBA
2:48 Apresentação - Sérgio de Oliveira (Brasil Mineral)
5:03 Apresentação - Rolf Fuchs (Integratio)
13:46 Sessão Vídeo - Nexa Resources
15:03 Sessão Vídeo - Mineração Caraíba

Painel “A Gestão Pública Municipal reverte os benefícios da mineração para a sociedade?”
18:44 Apresentação - Rolf Fuchs (Integratio)
20:56 Apresentação - Fernando Lins (CETEM)
24:07 Fábio Giusti (CETEM)
26:30 Maria Green (CETEM)
56:05 Daniel Tito (Anglo American)
1:08:45 Gilberto Azevedo (Kinross Brasil)
1:14:20 Marcelo Dultra (BAMIN)
1:26:27 Rogério Moreira (AMIG)
Rodada de Perguntas
1:48:09 Apresentação - Fernando Lins (CETEM)
1:52:41 Daniel Tito (Anglo American)
1:56:50 Marcelo Dultra (BAMIN)
1:57:39 Gilberto Azevedo (Kinross Brasil)
2:02:47 Rogério Moreira (AMIG)
2:07:37 Marcelo Dultra (BAMIN)
Considerações Finais
2:09:08 Fábio Giusti (CETEM)
2:12:16 Daniel Tito (Anglo American)
2:13:32 Gilberto Azevedo (Kinross Brasil)
2:14:15 Marcelo Dultra (BAMIN)
2:15:18 Rogério Moreira (AMIG)
2:16:43 Maria Green (CETEM)
2:17:16 Encerramento - Rolf Fuchs (Integratio)

2:21:18 Palestra "ESG sob a ótica da Governança Ambiental" - Márcio Santilli, do ISA