Energia mais limpa e a produção de minerais para a transição energética: oportunidades para o Brasil

09/07/2024
O País, com essa matriz energética majoritariamente renovável e de um rico potencial mineral, se destaca nesse novo paradigma

 

Fernando A.F.Lins*

O mundo busca soluções para o aquecimento global e a crise climática. Nesse cenário, a indústria de mineração assume um papel fundamental na transição energética para um futuro de energia mais limpa e uma economia com menor intensidade de carbono — além de ser fornecedora de matérias-primas essenciais para o desenvolvimento econômico e social das nações.

O Brasil está bem-posicionado com respeito à oferta de energia. No ano de 2023, de acordo com o Balança Energético Nacional (BEN), elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a oferta interna de energia no país atingiu 314 Mtep, com 49% de fontes renováveis (65% na indústria), muito acima dos 15% da matriz energética mundial e dos 13% da OCDE registrados em 2021.  O país, com essa matriz energética majoritariamente renovável e um rico potencial mineral, se destaca nesse novo paradigma.

Este texto explora as vantagens competitivas do Brasil na produção de minerais e metais para descarbonizar a geração de eletricidade. São materiais como terras raras, lítio, níquel, grafita e manganês, entre outros, e urânio, os quais têm sido objeto de crescente interesse de prospecção e pesquisa mineral no Brasil e em outros países, com a participação de muitas empresas juniors.

A mineração mundial responde por 1-2% do consumo global de energia. Segundo o BEN/EPE, a mineração participa com cerca de 1% no consumo final de energia no Brasil. No entanto, são as etapas seguintes, da primeira transformação mineral, que consomem mais energia, alcançando aproximadamente 12% do consumo final do país. A transformação mineral é formada pelas atividades econômicas metalurgia e fabricação de produtos minerais não metálicos, com participação de cerca de 9% e 3 %, respectivamente.

Quanto à energia elétrica, a mineração representa cerca de 2% no consumo do país. Em termos de consumo específico de energia elétrica, há uma grande variação, a exemplo do que ocorre na produção de pedra de brita, com 2 a 3 kWh/t, e na produção de concentrado de minério de ferro, da ordem de 20 kWh/t. No entanto, são nas etapas de transformação de minerais que ocorrem consumos específicos muito maiores: aço de siderúrgica integrada, com 500 kWh/t; alumínio, 15.000 kWh/t; cimento, 109 kWh/t; e a fabricação do vidro, 550 kWh/t e em decorrência há maior emissão de CO2 equivalente nessas etapas. 

Alguns países se destacam positivamente, chegando a gerar quase toda a sua energia elétrica sem depender de combustíveis fósseis. São países que têm um alto percentual de sua eletricidade derivada de fontes de baixo carbono hidroelétrica, solar, eólica ou de energia nuclear. O Brasil nesse ponto está em forte vantagem. Em 2023, segundo o BEN/EPE, a oferta interna de energia elétrica alcançou 708 TWh, com 89% se originando de fontes renováveis, superando a matriz elétrica mundial com apenas 27% de renováveis e da OCDE, com 31%, no ano de 2021. Levando em conta a energia elétrica de origem nuclear, 39% da matriz mundial vem de fontes de baixo carbono (ver Our World in Data); como no Brasil há uma pequena contribuição da energia nuclear (cerca de 2%), temos 91% da oferta de energia elétrica a partir de fontes de baixo carbono.

Para efeito de comparação do Brasil com outros países, apresenta-se na figura a seguir o percentual de geração de energia elétrica de fontes de baixo carbono e a correspondente geração de CO2e por unidade de energia elétrica gerada (g CO2e/kWh), para o ano de 2021. Os 10 principais países que recebem investimentos em pesquisa mineral, todos os países do G7 e dos BRICs originais e quase todos do G20 constam da figura. A China é um caso especial por ser um importante produtor, importador, refinador, consumidor e exportador de minerais e metais para a transição energética.

Obviamente, a emissão de CO2e varia no sentido contrário do percentual de energia de fontes de baixo carbono. Nesse ponto, a situação vantajosa do Brasil em relação aos demais países é evidente. Entre os países importantes na mineração apenas o Canadá se aproxima do Brasil.  Assim como a França, o Canadá tem uma alta contribuição da energia nuclear na sua matriz elétrica. Interessante verificar que um bem mineral ou metal produzido no Brasil emite muito menos CO2e pelo uso de energia elétrica do que a produção realizada em outros países -- considerando tecnologias, eficiência operacional e eficiência enegética similares. Por exemplo, no Brasil a emissão de CO2e por unidade de produção é 58% da emissão no Canadá, 27% dos EUA, 18% da China e 17% da Austrália. Todavia, esta vantagem ainda não repercute na valorização dos nossos produtos no mercado internacional.

Algumas estratégias têm surgido neste novo cenário de globalização para aproveitar as oportunidades criadas pelo processo de realocação das cadeias produtivas globais, a partir da consideração das questões geográficas, geopolíticas e geológicas, que passam a influenciar a decisão dos governos dos países sobre incentivos e das empresas sobre investimentos (não se restringindo apenas aos custos de produção): reshoring (trazer a manufatura de volta ao país); nearshoring (parceria com vizinhos); friendshoring (parceria com aliados); greenshoring (parceria com empresas que adotam práticas ESG) e powershoring (investimentos em um país com matriz energética mais limpa para a implantação de plantas industriais intensivas em energia, como metalurgia e fertilizantes ou datacenters de inteligência artificial).

O powershoring tende a promover o aumento dos investimentos, das exportações do país anfitrião e da fabricação de produtos mais verdes, com menos emissão específica de gases de efeito estufa (GEE). As empresas investidoras, por seu lado, precisam mitigar suas emissões globais de GEE, de segurança energética e de redução de custos.  

O atual panorama geopolítico oferece oportunidades de parcerias que podem trazer para o Brasil a fabricação de produtos intermediários ou mais avançados na cadeia de produção, de maior valor agregado, a partir de nossos recursos minerais, em linha com a política Nova Indústria Brasil (NIB) lançada no início deste ano, e assim atendendo a demanda de países parceiros e a demanda interna. Isso ainda possibilita o desenvolvimento ou a adaptação no país de tecnologias, além de gerar empregos especializados, aumentando a inserção da indústria brasileira nas cadeias globais de valor.

 A figura também apresenta o preço de energia elétrica comercializada para a indústria em cada país no ano de 2023. Não há uma relação clara entre a percentagem de energia elétrica de baixo carbono e o preço. O Brasil tem o preço mais barato do que o praticado em 11 dos 18 países. Vários fatores, como políticas governamentais, infraestrutura, mix de fontes energéticas e subsídios, influenciam o preço. Os países desenvolvidos enfrentam desafios em manter preços de energia competitivos enquanto aumentam a participação de energias renováveis. Em geral, os países em desenvolvimento lidam com a necessidade de infraestrutura e diversificação da matriz energética.

O Brasil, com a matriz energética predominantemente limpa e o grande potencial mineral, está muito bem-posicionado para liderar a transição global para uma economia de baixo carbono. O aproveitamento estratégico desses recursos, por meio de políticas inovadoras e colaborações internacionais focadas em sustentabilidade e tecnologia avançada, pode fortalecer a sua posição geopolítica, reafirmando seu papel como protagonista em sustentabilidade no cenário mundial.

Fontes da Figura: Our World in Data (https://www.ourworldindata.org/) e Global PetrolPrices (https://www.globalpetrolprices.com/map/electricity_industrial/). Elaboração: F.Lins. Obs: o BEN/EPE informa a emissão no Brasil de 55 g de COe por kWh em 2023.

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 * Engenheiro Metalurgista, MSc. e DSc.  Trabalhou na CPRM e na Samarco Mineração. Pesquisador Titular do CETEM/MCTI. Foi Diretor do CETEM e Diretor de Transformação e Tecnologia Mineral do MME. Foi Conselheiro Científico do ON/MCTI e do CBPF/MCTI e Conselheiro do CA da CPRM. Faz parte do Conselho Consultivo da Brasil Mineral.

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