Aclara quer acelerar projeto em Goiás, que custará US$ 576 milhões

05/02/2024
Localizado em Nova Roma, Goiás, o projeto objetiva produzir Disprósio/Térbio e Neodímio/Prazeodímio, a partir de argilas iônicas

 

Se tudo ocorrer conforme o planejado, a partir de 2029 o Brasil poderá contar com um outro empreendimento para produção de terras raras. Trata-se do projeto Carina, da Aclara Resources, localizado em Nova Roma, no estado de Goiás, que objetiva produzir 208 toneladas/ano de Disprósio/Térbio e 1.190 t/ano de Neodímio/Prazeodímio a partir de argilas iônicas, utilizando uma tecnologia desenvolvida e patenteada pela própria empresa, que tem como grande diferencial a sustentabilidade ambiental. Pelas estimativas iniciais, o depósito contém 168,1 milhões t de recursos inferidos, a 1.510 ppm de TREO (Óxidos de Elementos de Terras Raras), com teor médio de 42,1 ppm de Disprósio e 6,9 ppm de Térbio.

De acordo com o estudo de Avaliação Econômica Preliminar, concluído recentemente pela Aclara, para colocar o empreendimento em operação estima-se que serão necessários investimentos da ordem de US$ 576 milhões, valor que poderá ser confirmado pelo Estudo de Pré-viabilidade que a empresa está encomendando (atualmente a Aclara está selecionando empresas de engenharia para executar o PFS.

Nesta entrevista a Brasil Mineral, o CEO da empresa, Ramon Barua Costa, fala sobre os diferenciais do projeto Carina e das peculiaridades e perspectivas do mercado de terras raras.

BRASIL MINERAL – Que diferenciais o projeto Carina apresenta em relação a outros projetos de terras raras no Brasil?

RAMON BARUA -- O que nos chama atenção no projeto Carina, primeiramente, é que, do ponto de vista geológico, as terras raras não são todas iguais. Existem umas que valem mais, outras que valem menos. Nesse contexto, o caso do Disprósio e Térbio (sobretudo o Disprósio), tem um valor muito especial. Primeiro, porque vai ser altamente requerido pelos veículos elétricos, turbinas eólicas, drones, robótica, uma série de aplicações que estão relacionadas com a transição que temos que realizar no planeta para fazer frentes às mudanças climáticas. Isto nos parece muito importante. A segunda razão de importância do Disprósio é que se trata de uma terra rara cujo suprimento está altamente concentrado em um só país, que é a China. A China demonstrou uma liderança importante na indústria de terras raras e por isso tem uma participação muito alta nesse mercado. Acreditamos que poderíamos ser um supridor alternativo desses materiais para aquelas empresas que estão buscando diversificar suas fontes de abastecimento. E os conteúdos de disprósio que há em Carina são muito altos, comparado a outros projetos que há no Brasil. Acreditamos que isso diferencia bastante o projeto Carina.

O segundo aspecto que o distingue, que é mais específico da Aclara, é que viemos desenvolvendo um processo metalúrgico no Chile o qual se distingue por termos buscado obter o menor impacto ambiental ou a menor pegada ambiental. O que conseguimos foi um processo que não usa explosivos, dispensa britagem e moagem, que são as duas etapas da indústria mineral que consomem mais energia e, portanto, têm a maior pegada de carbono. Utilizamos como reagente principal o sulfato de amônio, que é um fertilizante comum, e que contribui, por ocasião do fechamento de mina, para melhorar a fertilidade do terreno e, portanto, sua posterior revegetação. Outra coisa que distingue significativamente Carina é que pretendemos instalar dentro da mina uma planta de tratamento de água que vai nos permitir recircular a água com uma eficiência de 95%. Ou seja, o consumo de água do projeto é baixíssimo, em ordem de grandeza muito menor do que estamos acostumados na indústria mineral. Assim, temos um objetivo que é fazer mineração sem água e nisso 95% do objetivo está cumprido. O sulfato de amônio também deve ter uma eficiência de recirculação de 99%. Isto é o que nos permite essa economia circular e não desperdiçar nada, possibilitando que não necessitemos de barragens de rejeitos – um tema sensível no Brasil. Não teremos barragem de rejeito. Isto porque as argilas, ao não terem sido moídas nem britadas, podem regressar ao lugar de onde foram extraídas e serem depositadas sem maiores consequências. Creio que estes são os principais elementos que distinguem o projeto Carina de outros projetos no Brasil e no mundo.

A tecnologia foi patenteada pela Aclara em vários países, incluindo o Brasil, Chile, China, Estados Unidos, Austrália e outros, e acreditamos que isso, como empresa, nos coloca na vanguarda da extração de terras raras de forma sustentável.

BRASIL MINERAL - Os custos de produção mostrados no PEA são relativamente baixos. O que contribui para isso?

RAMON BARUA - Os custos de produção vão ser baixos primeiro porque o jazimento é muito superficial, com 20 a 25 metros de profundidade, e a extração vai ser diretamente com uma carregadeira frontal e caminhões. Não é uma mineração muito sofisticada e, portanto, tem baixo custo. E o processo também é bastante simples, porque se trata de colocar as argilas em contato com a água e o sulfato de amônio e se realiza a troca iônica e se separa as impurezas, que são coisas simples como magnésio, manganês, alumínio, em quantidades muito baixas e se decanta um concentrado de terras raras, que é o produto final. Então o processo consiste basicamente em transportar as argilas para a planta, onde se faz a lavagem com sulfato de amônio e devolver as argilas para o lugar de onde foram extraídas. São custos geralmente muito baixos, pois não há processo de calor e nem barragem de rejeito, esse tipo de coisa. Os custos principais estão associados ao tratamento de água e ao transporte de materiais.

BRASIL MINERAL – Em termos de investimento, como o projeto se coloca em relação a outros?

RAMON BARUA - Não há muito como se comparar, porque não há muitos projetos parecidos no mundo. Há um precedente importante no estado de Goiás, que é Serra Verde, mas não temos as cifras oficiais de quanto eles investiram, embora acreditemos que estejam no mesmo patamar. E temos uma outra experiencia muito importante, que não ainda não construímos, que é o projeto de Penco, no Chile, no qual temos uma engenharia bastante avançada, o que nos permite comparar o montante de investimento. O projeto Carina ainda é um PEA, que tem um grau de incerteza de cerca de 30%, mas também utilizamos uma contingência de 30% e vamos continuar refinando a engenharia. Estamos para iniciar um Estudo de Pré-viabilidade, para identificar que vai nos dar provavelmente números mais precisos, mas creio que, em termos de magnitude, não vamos estar muito longe disso.

BRASIL MINERAL – Como se prevê a evolução do projeto daqui por diante?

RAMON BARUA - Estamos dando vários passos em paralelo. Entendemos que a oportunidade comercial para esse tipo de material crítico é de longo prazo. O mercado vai demandar muitos materiais até o ano 2028, 2029, 2030. E teremos que estar prontos para aproveitar essa janela de oportunidades. Os próximos passos serão: primeiro, continuar com as perfurações no depósito. Estamos aprofundando os furos e bastante otimistas sobre a possibilidade de ampliar os recursos. Deveremos ter os resultados por volta de junho/julho deste ano. Ao mesmo tempo, levamos as argilas de Carina para o Chile, onde temos uma planta-piloto que já está operando, processando essas argilas, a fim de obter amostras comerciais para irmos buscando compradores para o produto final. Adicionalmente, estamos levando a cabo uma concorrência entre as empresas de engenharia para fazer um Estudo de Pré-Viabilidade. Primeiramente vamos fazer um estudo de pré-viabilidade antes de realizar um estudo de viabilidade final. Em 2024 vamos estar trabalhando nisso. Paralelamente, começamos a fazer nossas linhas de base ambiental, e a nos relacionar com a comunidade de Nova Roma (estou muito contente e bem impressionado de como nos receberam). E vamos intensificar essas frentes, porque a Aclara se distingue por seu compromisso de base social e ambiental. Queremos priorizar o emprego para as comunidades locais, e também dar oportunidade para que sejam fornecedores para o projeto. Isso é algo que trabalhamos desde o primeiro dia. Portanto, estamos trabalhando paralelamente várias coisas.

Com relação ao financiamento, optamos por ter acionistas de muito prestígio como o grupo Hochschild (Eduardo Hochschil em nível pessoal), e também a Hochschild Mining, empresa listada na bolsa de Londres. Eles estão bem convencidos dos atributos desse projeto.

E temos que buscar clientes. As terras raras não são commodities, e sim produtos especializados. Estamos trabalhando muito no que é a integração vertical, pois as terras raras servem para fazer magnetos permanentes que vão nos motores dos veículos elétricos. Já temos relações comerciais estabelecidas com fabricantes de autos na Ásia, no Japão, Coreia, Estados Unidos, e Europa. Eu diria que as marcas mais famosas do mundo estão em contato com a Aclara para poder acessar esses materiais, que vão ser escassos, no futuro, dado o grande desequilíbrio que há entre oferta e demanda para as terras raras.

BRASIL MINERAL – Os níveis de preços atualmente estão relativamente baixos. Há perspectivas de recuperação?

RAMON BARUA - Os preços precisam ser analisados “com pinça”, porque no caso das terras raras os únicos preços que existem são aqueles publicados na China. E são preços praticados nas compras das empresas chinesas. Sem dúvida não são preços que refletem necessariamente um mercado líquido. Se alguém for comprar Disprósio a esses preços, não encontra. Muito menos em volumes consideráveis e também em contratos de longo prazo. Então é preciso ter cuidado com esses preços. Nós pretendemos produzir um material que estará destinado a companhias que tenham uma governança corporativa muito elevada, que busquem uma fonte geopoliticamente independente desses produtos e, mais importante, que busquem um produto rastreável, ambientalmente sustentável, de forma que eles possam saber de onde saíram suas terras raras. Acreditamos que os consumidores vão buscar produtos premium, do ponto de vista ambiental e é nisso que queremos nos converter. Obviamente que, aos preços publicados atualmente, o projeto não seria rentável. Temos que buscar mais que clientes, sócios que estejam convencidos de que esta é a forma de produzir as terras raras sustentáveis. Não necessitamos muitos. Carina poderia produzir cerca de 5% da oferta mundial atual e em 2030 esse número vai ser ainda menor. Então seria um produto exclusivo para aquelas empresas que queiram se distinguir do ponto de vista ambiental, por sua governança corporativa e pela qualidade do seu fornecimento.

BRASIL MINERAL – Como deverá se comportar a demanda?

RAMON BARUA - A demanda vai ser muito forte. Estima que, em 2023, a demanda foi um pouco menos de 3 mil toneladas de Disprósio/Térbio e se espera que, para o ano 2033, vão ser necessárias 8 mil toneladas. Ou seja, vamos precisar mais do que duplicar o que hoje produz a China e a Ásia destas terras raras e creio que há uma grande oportunidade de mercado. Essa demanda projetada está sustentada principalmente por veículos elétricos e por turbinas eólicas, mas creio que há uma série de outras aplicações como barcos elétricos, drones (que hoje são “brinquedos” mas que futuramente serão ferramentas para transportar cargas e inclusive pessoas), e a robótica vem com muita força. Na realidade, há uma série de outras aplicações, pois em um mundo onde a energia vai ser renovável teremos que buscar ser mais eficientes no uso de energia em refrigeradores, aparelhos de ar condicionado, que utilizam terras raras. Isto não está ainda quantificado na projeção de demanda que mencionamos. Então eu creio que em geral, num mundo mais elétrico, as terras raras têm um lugar muito especial, que vai ser crescente. E pelo lado da oferta, vai ser relativamente limitada. E quando focamos em oferta com esses critérios ambientais que mencionamos, essa oferta vai ser ainda menor. Porque as empresas, especialmente nos EUA, Europa e Japão, vão buscar fornecedores da mais alta qualidade.

BRASIL MINERAL – Como considera o ambiente para investimentos no Brasil?

RAMON BARUA - Fiquei gratamente surpreendido com a recepção que tivemos no Brasil. Conversamos com pessoal de alto nível do governo e o que mais me chamou a atenção foi o entusiasmo por atrair e receber investimentos, por gerar postos de trabalho. E quanto tivemos a oportunidade de contar a eles a qualidade da tecnologia que a Aclara desenvolveu do ponto de vista ambiental, o entusiasmo duplicou. Há um alinhamento que consideramos fundamental entre o governo, a empresa e a sociedade, para poder desenvolver esse tipo de projeto. Não acreditamos que haja outra maneira que não seja atuar de forma conjunta, e isso é o que encontramos no Brasil. Sou entusiasta, otimista, sobre o que virá. O Brasil também é um país que entende bem seu papel como fornecedor de materiais críticos. O País está muito comprometido com a luta contra as mudanças climáticas. É um país onde a responsabilidade ambiental se respira em todas as conversações, o que tem uma sinergia muito grande com a Aclara, que queremos aproveitar e desenvolver ao máximo. Então estamos muito contentes por estar no Brasil.

BRASIL MINERAL – Qual o horizonte para o projeto em termos de cronograma?

RAMON BARUA - Estamos prevendo que o projeto entre em produção em 2029. O gargalo é a parte das licenças. Recebemos muito apoio por parte do governo estadual, que está implementando novas ferramentas para poder ser mais rápidos na análise das licenças, e começamos a trabalhar para poder entregar toda a informação da maneira mais ordenada e sistematizada possível, para que o processo flua. Este é o objetivo. Creio que poder acelerar e construir essa planta o mais rápido possível nos vai ajudar muito, no momento em que o planeja necessita desses materiais para que as tecnologias que as utilizam possam entrar em operação brevemente.

Por: Francisco Alves

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