Justiça anula contrato entre Belo Sun e Incra. Empresa avalia defesa

02/12/2024
O juiz considerou irregular a concessão da área, que integra o Projeto de Assentamento (PA) Ressaca, localizado no Pará

 

O juiz Leonardo Araujo de Miranda Fernandes determinou a anulação do contrato entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a mineradora Belo Sun Mineração, assinado em 2021, que envolvia concessão de uma área destinada originalmente à reforma agrária que a mineradora pretendia utilizar para atividades de extração mineral no estado do Pará. A sentença foi proferida no curso de uma ação civil pública, ajuizada em 2022, pela Defensoria Pública da União (DPU) e pela Defensoria Pública do Estado (DPE/PA). O juiz considerou irregular a concessão da área, que integra o Projeto de Assentamento (PA) Ressaca, localizado no Pará. A decisão destacou que a área ainda estava vinculada à política de reforma agrária e que a alteração de sua destinação para mineração não seguiu o procedimento adequado.

Segundo o juiz, para que a área fosse destinada à mineração seria necessário um ato normativo formal, o que não ocorreu.  A ausência do processo legal de “desafetação”, ou seja, a mudança formal da destinação da área, tornou o contrato nulo. Na sentença, o juiz afirmou que a área continua vinculada à reforma agrária e não pode ser utilizada para mineração sem a devida formalização do processo. “Modificar a destinação de um bem público sem um ato formal de mesmo nível compromete a segurança jurídica, gerando incertezas quanto à validade da nova utilização. Além disso, permitir a mudança de destinação de forma tácita prejudica a política pública, expondo a reforma agrária a pressões sociais e econômicas”, destacou.

A ação proposta pela DPU e DPE/PA destacou que a Belo Sun se apropriou por anos ilegalmente de terras públicas destinadas à reforma agrária. A sentença ressaltou que a mera desocupação da área pelos assentados, seja de forma voluntária ou forçada, não basta para alterar sua destinação à reforma agrária, conforme disposto na Constituição Federal. Além disso, o magistrado observou que eventuais negociações envolvendo terras públicas realizadas nessas circunstâncias violam as normas constitucionais. A sentença também reafirmou o direito à informação em favor dos assentados, destacando que “os beneficiários do Projeto de Assentamento Ressaca têm o direito de serem informados sobre as etapas do projeto minerário, bem como de terem acesso a um canal de diálogo (junto ao Incra e ao empreendedor) para apresentar suas propostas e sugestões acerca das medidas reparatórias mais adequadas, com o objetivo de preservar a política pública agrária”.

Na ação, as defensorias públicas argumentaram que as medidas compensatórias previstas no contrato de concessão de uso eram inadequadas, especialmente a proposta de transferir ao Incra uma área localizada no estado do Mato Grosso. A sentença concordou com esse ponto, destacando que seria lógico concluir que as famílias assentadas há muitos anos na região da Ressaca não desejariam ser transferidas para um local tão distante, situado em outro estado, longe das cidades de Altamira e Senador José Porfírio.

Além da irregularidade no processo de concessão, a ação das defensorias destacou a redução injustificada da área diretamente impactada pelas atividades de mineração. O contrato da Belo Sun e Incra envolvia 2,4 mil hectares, mas a empresa havia identificado em seus estudos que o impacto direto de suas atividades atingiria uma área de 4,1 mil hectares, envolvendo também outros assentamentos estaduais e federais. A Belo Sun também teria adquirido ilegalmente cerca de 3,5 mil hectares na região.

A DPU e a DPE/PA alertaram ainda na época que, caso a área total do contrato superasse 2,5 mil hectares, seria necessário obter a aprovação prévia do Congresso Nacional, conforme exigido pela Constituição Federal. A área afetada pelo contrato abriga pequenos agricultores e comunidades tradicionais que dependem da terra para atividades agrícolas, de pesca e extrativismo voltadas à subsistência. A DPU e a DPE/PA argumentaram que a concessão à Belo Sun foi realizada de forma irregular, sob a justificativa infundada de que a área estava desocupada, quando na verdade ela era utilizada por essas famílias.

Com a anulação do contrato, o futuro da área e das famílias que a ocupam agora dependerá de ações do Incra para garantir a manutenção da política de reforma agrária e o direito das comunidades envolvidas. 

O empreendimento Volta Grande de Mineração da Belo Sun enfrenta uma série de processos judiciais desde 2012. Além da DPU e DPE/PA, o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado do Pará apontam diversas falhas no processo de licenciamento. Em 2017, uma decisão judicial suspendeu a licença de instalação do projeto. Em 2023, o TRF1 determinou que o licenciamento deverá ser feito pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), e não pelo governo do Pará.

 

O outro lado

 

A Belo Sun Mining Corp. informa que o Tribunal Federal de Altamira decidiu sobre um caso movido pela Defensoria Pública da União (DPU) e pela Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE) em 2022 contra a empresa e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) sobre o acordo entre as partes. O Juiz declarou o Acordo INCRA nulo e sem efeito por motivos processuais. O Juiz determinou que o INCRA não havia concluído uma portaria necessária para anunciar a medida tomada pelo governo e para formalizar a desclassificação da área da reforma agrária. No entanto, o Juiz rejeitou o pedido da DPU para anular o processo de licenciamento ambiental de Volta Grande e, conforme solicitado pela Empresa, excluiu a DPE do processo. 

A Belo Sun avaliará opções legais, incluindo um potencial recurso da decisão ao Tribunal Federal da Primeira Região em Brasília (TRF1), e consultará o INCRA. Comentando sobre a decisão do Tribunal Federal de Altamira, a Sra. Ayesha Hira, Presidente Interina e CEO da Belo Sun, disse: “Estamos ansiosos para trabalhar com o INCRA nas próximas etapas após a decisão do Tribunal Federal em Altamira. Também avaliaremos todas as opções legais disponíveis para a empresa proteger seus direitos e interesses neste caso. Acreditamos que o projeto está bem posicionado para trazer benefícios às comunidades vizinhas, fazendeiros locais, proprietários de terras e ao município. Continuamos trabalhando para beneficiar a região e todas as partes interessadas, enquanto buscamos avançar o Volta Grande”. 

Uma pequena porção das terras designadas pelo INCRA na área do projeto se sobrepõe às concessões de mineração da Belo Sun e será afetada pelas operações de mineração do empreendimento (área impactada). A Belo Sun celebrou o Acordo INCRA em 26 de novembro de 2021, sob o qual o INCRA deveria fornecer à empresa acesso à área impactada para atividades de mineração. Mais detalhes sobre o Acordo INCRA e sobre o processo judicial de 2022 podem ser encontrados na Administração, Discussão e Análise da Empresa arquivadas em 6 de novembro de 2024.