Rio de Janeiro terá Centro de Referência em Geociências

07/10/2024
Financiado com recursos da Petrobras, o projeto visa recuperar toda a estrutura do Museu das Ciências da Terra e instalar no local um centro e o mais moderno conjunto de laboratórios de isotopia e geocronologia da América Latina.

 

Se tudo ocorrer conforme o planejado, dentro de três anos e meio o Brasil deverá contar com o Centro Científico e Cultural da Urca, um projeto que está sendo conduzido pelo CGA (Centro de Geociências Aplicadas), organismo do SGB-CPRM diretamente vinculado à presidência do órgão  e coordenado pelo experiente geólogo Noevaldo Teixeira. Financiado com recursos da Petrobras, o projeto visa recuperar toda a estrutura do Museu das Ciências da Terra, um prédio histórico que foi parcialmente destruído por um incêndio há meio século e instalar no local um centro de PD&I em Geociências, além da construção da litoteca do Pré Sal  e a criação do mais moderno conjunto de laboratórios de isotopia e geocronologia da América Latina. 

Segundo Noevaldo Teixeira, as três iniciativas já estão com recursos aprovados, no valor aproximado de R$ 300 milhões, os projetos executivos foram concluídos e as obras devem ser iniciadas dentro de três meses. Falta apenas a assinatura dos acordos de cooperação entre a Petrobras e o SGB, para o dinheiro ser depositado e a  revitalização do museu ser iniciada. 

Entusiasmado com o projeto, por sua importância para o avanço das Geociências no Brasil, ele diz que serão adquiridos equipamentos de primeira linha para gerar informações isotópicas e geocronológicas pontuais. "Faremos isotopia e datação no mineral, que é o que há de mais moderno no mundo hoje. Teremos uma litoteca do Pré-sal e isto vai permitir, por exemplo, que alguém que esteja nos EUA e queira ver um furo do Pré-sal, pode entrar no aplicativo com o número do furo e poderá ser mostrado a ele, na sala de observação do laboratório. Vamos escanear todos os furos, fazer catálogo petrofísico, com informações de porosidade, de condutividade, de resistividade, de todos os furos das bacias sedimentares brasileiras, somando aproximadamente 400 mil caixas", afirma o pesquisador. Para isso, ele diz que o pessoal do CGA visitou as principais litotecas do mundo, para ter uma noção de como elas funcionam. "Na Austrália, o modelo de gestão da litoteca do Serviço Geológico em Perth é exemplar". 

Noevaldo conta que o CGA nasceu há cerca de 6 anos, quando foi feito um diagnóstico do Serviço Geológico do Brasil e se chegou à conclusão de que o órgão deveria reduzir sua dependência de recursos do Tesouro Nacional, "porque os órgãos públicos sofrem demais em função da ciclicidade de recursos, cria-se uma descontinuidade nos projetos e causa, particularmente nos projetos de pesquisa e tecnologia, muitos atrasos, com prejuízo significativo". Concluiu-se que era preciso conseguir um mecanismo que diminuísse essa dependência. 

Outro aspecto analisado foi a constatação de que o SGB  estava muito atrás em termos de apoio laboratorial, quando comparado a países como Austrália e os países das 10 maiores economias do mundo, em que o Brasil está inserido. "Então, nós procuramos identificar a razão dessa produção científica insatisfatória e chegamos à conclusão que é o nosso significativo atraso laboratorial. O Serviço Geológico sequer  faz uma análise de rocha. O diagnóstico foi que precisávamos criar uma infraestrutura laboratorial". 

Também se concluiu que o SGB precisava aumentar a sua sintonia com o setor produtivo. "O Serviço Geológico do Brasil nunca fez uma parceria com nenhuma empresa de mineração no Brasil. Além disso, éramos o único Serviço Geológico no mundo em que a energia não fazia parte do nosso trabalho. Só que o setor de energia, no Brasil, é o que mais investe em pesquisa e tecnologia, por uma lei que obriga as operadoras do Pré-sal a investir 1% do valor da sua produção em P&D. Não só a Petrobras, mas também a Total, a Repsol e outras, que anualmente vão ao mercado capturar oportunidades de investimento nos projetos de PDI. Mas às vezes não tem projeto. Hoje cerca de 90% desses recursos estão indo para a Academia, porque tem muita universidade, muitos professores, muitos mestrandos, doutorandos, ˜, argumenta o geólogo. . 

Ele acrescenta que, em razão desse quadro, a partir de 2018 o Serviço Geológico, através do CGA, organizou uma série de linhas de pesquisa – em minerais críticos para a diversificação energética ou transição energética, água, energia, geomedicina, mineração submarina, geodinâmica, bio-geologia e descarbonização, por exemplo. "Hoje nós temos um projeto com a Petrobras, no valor de R$ 100 milhões, para estudar alvos favoráveis para o aprisionamento de carbono na bacia do Paraná". 

O CGA, então, passou a fazer a ponte entre o setor produtivo e o Serviço Geológico do Brasil e os projetos passaram a ser financiados pela iniciativa privada. "Nós tentamos minimizar nossa dependência do Tesouro, temos projetos com a Vale, Ero Copper e Nexa. Temos, por exemplo, dois projetos na região do Tapajós-Alta Floresta. Assim, o CGA tem a pretensão de ser o núcleo de excelência. Tanto que, nos últimos quatro anos, produzimos 40 artigos que foram publicados em revistas internacionais, incluindo a Nature e a Science".

O geólogo considera que o CGA tem um nível de exigência científica muito elevado e informa que um dos focos tem sido a área de Alta Floresta, em Mato Grosso. "Nós temos ideias inovadoras em relação ao modelo geológico das mineralizações em Alta Floresta-Tapajós e isso é parte do trabalho que nós desenvolvemos com as mineradoras". 

Ele argumenta que, ao se analisar o aerolevantamento (Aeromag) do Brasil, constata-se que a área do Cristalino está voada com espaçamento de 500 metros, com cobertura Gama e Mag, um trabalho considerado esseencial. "Nós usamos esses dados e fizemos uma atualização tecnológica de processamento, com duas técnicas novas de processamento dos dados de Mag. E todo mês, desde agosto deste ano, estamos publicando cerca de oito a dez folhas da área de Alta Floresta, com mapas de interpretação e prospectividade, com melhor locação nas anomalias magnéticas. Todo mês saem dez folhas na escala 1:100 mil.  E tem a parte de geofísica, e de isotopia e de geocronologia, que é feita em zircão".

Através desses estudos, as equipes do CGA conseguiram estabelecer os períodos de atividade magmática e as mineralizações relacionadas a esses períodos. "Por exemplo, foi uma surpresa verificar que os Pórfiros do Tapajós e as mineralizações de ouro têm magmatismo associado de 1 bilhão e 888 milhões de anos. E em Alta Floresta, de 1 bilhão e 792 milhões de anos. São idades totalmente inesperadas, do ponto de vista geodinâmico", diz Noevaldo, acrescentando que também há condições de se indicar o nível de favorabilidade desse magmatismo através de elementos traços em zircão. "Nós estamos fazendo isso nas universidades Memorial University, Newfoundland e USP. É um projeto que vai `na veia' dos interesses das mineradoras, porque nós temos que aumentar o nosso fluxo de descobertas. Em Tapajós e Alta Floresta, até agora, as operações são muito pequenas. Nós precisamos encontrar depósitos de classe mundial. O Serviço Geológico pretende dar essa contribuição e espero que o setor reconheça isso", enfatiza o pesquisador.  

Ele informa que o CGA lidera um projeto realizado conjuntamente com a ADIMB, em Carajás, o qual visa estabelecer a geodinâmica da principal província mineral do País. "São dois projetos: um que estuda a geodinâmica da província mineral de Carajás e outro sobre a tipologia dos depósitos. No projeto de geodinâmica, foi feita sísmica passiva. É a primeira vez que se faz isso no Brasil, através dos trabalhos do professor Marcelo Assunção, da USP, e do professor Marcelo Rocha, da UNB, na compartimentação dos blocos litosféricos, porque a capacidade de investigação vai até 250 quilômetros. Foi instalada a maior rede sismológica na região de Carajás e fizemos magneto-telúrico mostrando a condutividade, a relação entre os depósitos de cobre de Carajás até o manto superior, 40 quilômetros, e que Carajás é anômalo, do ponto de vista da condutividade elétrica, até uma profundidade de 40 quilômetros. Estamos fazendo a isotopia, a estratigrafia e a tectônica de fluidos. Isso vai ser entregue em julho do próximo ano. É um projeto Vale-ADIMB-Serviço Geológico e inclui 25 pesquisadores de várias universidades, sob a nossa liderança". 

Outro projeto importante é o de CCUS, captura de carbono, com a Petrobras, no valor de R$ 100 milhões e com dois anos de duração. "Nós estamos estudando áreas de incidência de maior liberação de CO₂, por exemplo, a região de São Paulo, Curitiba e Porto Alegre e fazendo um trabalho para saber onde haveria sítios porosos em profundidade acima de 700 metros com a presença de selo que pudessem servir para uma planta piloto de reinjecção de CO₂", afirma Noevaldo, explicando que neste projeto o CGA trabalha com vários parceiros internacionais e conta com um corpo de nove pesquisadores. "É um grupo pequeno, com uma produção grande", enfatiza o geólogo, acrescentando que o CGA é o setor do serviço geológico do Brasil que coordena as atividades de PD&I da instituição, tendo como foco fundamental e principal trabalhar em parceria com o setor produtivo, para não ficar tão dependente do Tesouro.  Essa atuação propiciou acesso aos principais fundos de financiamento de pesquisa e tecnologia no Brasil. Até então, "o serviço geológico não tinha captado nada dos R$ 20 bilhões que a Petrobras colocou em ciência e tecnologia geocientífica nos últimos 20 anos", conclui Noevaldo Teixeira.