Exigência de servidão minerária para reprocessamento de rejeito e estéril

21/11/2024
Por Frederico Munia Machado - Mestre em Direito e Política Mineral pela Universidade de Dundee – Reino Unido. Coordenador e Professor do MBA em Direito, Políticas Públicas e Economia da Mineração, do IDP.

 

No dia 4 de novembro, a Diretoria Colegiada da ANM, em reunião pública ordinária, iniciou um debate, ainda em andamento, sobre o art. 2º, parágrafo único, da Resolução nº 85/2021. Esse dispositivo exige a instituição de servidão minerária para o aproveitamento econômico de rejeitos e estéreis depositados fora da área outorgada.

A intenção por trás dessa exigência foi trazer maior precisão sobre quais rejeitos e estéreis depositados fora da área titulada podem ser aproveitados pelo titular do direito minerário. No entanto, o uso do termo “servidão minerária” na resolução tem gerado mais dúvidas do que soluções e, por isso, merece reavaliação.

A servidão minerária, prevista no Código de Mineração, é um gravame real que pode ser utilizado pelo titular do direito minerário para viabilizar o uso de imóveis de terceiros, dentro ou fora da poligonal, em atividades essenciais, como plantas de beneficiamento, passagem de dutos e instalação de barragens e pilhas de estéreis e rejeitos. Sua instituição ocorre por meio de acordo devidamente registrado ou por decisão judicial.

Por se tratar de um ônus real, a servidão somente se aplica quando o titular do direito minerário não possui a propriedade do imóvel. Não é juridicamente possível – e nem faria sentido – impor um ônus real sobre um imóvel que já pertence ao minerador.

Além disso, mesmo quando o imóvel pertence a terceiros, a instituição formal da servidão minerária não é obrigatória. O uso do imóvel pode ocorrer com o simples consentimento do proprietário, desde que haja acordo entre as partes.

Não há respaldo jurídico para se exigir a instituição de servidão minerária – instrumento jurídico dedicado exclusivamente a disciplinar a relação privada entre minerador e proprietário do solo – como condição para permitir o aproveitamento econômico de rejeitos e estéreis. Tal exigência impõe uma obrigação sem previsão legal.

Além da inadequação jurídica, a instituição de servidão minerária consiste em um processo lento e oneroso para o minerador e para a própria ANM. É importante evitar exigências desnecessárias se o objetivo regulatório é incentivar o reprocessamento de resíduos para aumentar a eficiência econômica e reduzir os impactos ambientais das operações.

A Resolução nº 85/2021 já estabelece critérios claros e juridicamente seguros para definir os rejeitos e estéreis depositados em instalações fora da área titulada que podem ser aproveitados pelo titular da lavra. 

Instalações de disposição de rejeitos e estéreis podem ser consideradas parte do empreendimento minerário, mesmo quando localizadas fora da área titulada, pois enquadram-se como hipótese legal de servidão minerária (art. 6º, § único, Código de Mineração). O Decreto nº 9.406/2018 reforça essa ideia ao abarcar no conceito de lavra mineral a “deposição e o aproveitamento econômico de rejeitos, estéreis e resíduos da mineração” (art. 10, § 1º).

Na mesma linha, a Resolução nº 85/2021 estabelece o seguinte:

  • os rejeitos e os estéreis fazem parte da mina onde foram gerados, mesmo quando dispostos fora da área titulada, ainda que a lavra esteja suspensa (art. 2º, caput); e

 

  • o aproveitamento dos rejeitos e dos estéreis independe da obtenção de nova outorga mineral quando vinculados à mina onde foram gerados e exercido pelo titular do direito minerário em vigor (art. 3º, caput).

 

Assim, enquanto houver direito minerário vigente, a mina permanece operacional, e suas instalações de rejeitos e estéreis continuam associadas ao empreendimento, independentemente da localização. Com efeito, o minerador mantém o direito de reprocessar os resíduos estocados. 

Esse vínculo entre a mina e suas instalações de resíduos é facilmente verificável na prática, não havendo nenhuma justificativa para exigir a constituição de servidão minerária ou mesmo a manifestação prévia do minerador sobre a intenção de reprocessar o material.

Não há risco de conflito com direitos minerários adjacentes. Da mesma forma que a existência de um título minerário não inviabiliza a instituição de servidão minerária, nada impede que títulos minerários sejam outorgados em áreas onde já existam rejeitos e estéreis vinculados a outro empreendimento. Contudo, qualquer atividade minerária nessas áreas deverá considerar a presença dessas pilhas ou barragens, inclusive na avaliação da viabilidade técnico-econômica de possível depósito mineral que porventura seja descoberto no subsolo.

Portanto, o critério adequado para definir o direito ao aproveitamento de rejeitos ou estéreis não é a servidão minerária, mas a existência de um direito minerário sobre o empreendimento já concedido, mesmo que a lavra esteja suspensa (por exemplo, aguardando inclusão em rodada de disponibilidade de áreas). 

Dessa forma, é recomendável que o art. 2º da Resolução nº 85/2021 seja reavaliado pela ANM, de modo a suprimir o parágrafo único e estabelecer, de forma expressa, que os rejeitos e os estéreis, mesmo quando dispostos fora da área titulada, integram a mina onde foram gerados, desde que haja direito minerário vigente, ainda que a lavra esteja suspensa.