Arábia Saudita quer fortalecer laços bilaterais visando os minerais críticos
No período de 22 a 30 de julho, o Ministro da Indústria e Recursos Minerais da Arábia Saudita, Sua Excelência Bandar Ibrahim Alkhorayef, o Vice-Ministro de Assuntos de Mineração, Sua Excelência Khalid Saleh Al-Mudaifer e demais membros da comissão estiveram no Brasil para uma missão econômica, visando fortalecer os laços bilaterais, atrair investimentos para a Arábia Saudita e buscar oportunidades de investimento mutuamente benéficas nos setores mineral e industrial. A visita está alinhada com os objetivos da Visão 2030 da Arábia Saudita de diversificar sua economia e transformar o Reino em uma potência industrial e econômica.
Os primeiros passos já foram dados para fortalecer a mineração no país: desde 2022 acontece o Future Minerals Forum (FMF), que terá sua próxima edição entre os dias 14 e 16 de janeiro de 2025, em Riade, Arábia Saudita. O evento vem se estabelecendo como uma importante plataforma global para moldar o futuro de ambientes críticos e minerais estratégicos, proporcionando resultados duradouros de valor para os países onde são produzidos e processados.
Para entender um pouco mais sobre a visita da comitiva da Arábia Saudita e os planos da FMF 2025, a Brasil Mineral conversou com exclusividade com Aldo Pennini, Diretor de Estratégia, Programa e Conteúdo do FMF e Conselheiro Ministerial, que pontuou o crescimento exponencial da demanda por minerais de transição energética e a oportunidade de se encontrar novas regiões com potenciais atrativos de exploração.
BRASIL MINERAL - Quando teve início o Future Minerals Forum e qual seu propósito inicial?
ALDO PENNINI - O FMF começou em 2022, como uma iniciativa da visão da mineração 2030 da Arábia Saudita, um grande projeto governamental estabelecido dentro de dois objetivos: aumentar a percepção global sobre toda a transformação mineral da Arábia Saudita e atrair investimentos estrangeiros para o setor no país.
Já na primeira edição do Fórum, muitos líderes e participantes de todo o mundo acompanharam as discussões. De lá para cá, o evento cresceu bastante e a ambição dos organizadores é modular o evento para que ele seja global, com a presença cada vez maior de stakeholders ligados à atividade. Tudo isso sempre com um olhar para o desenvolvimento ambientalmente responsável e sustentável da mineração.
O Fórum está dividido em duas partes: a primeira é uma mesa redonda ministerial e a segunda uma conferência. É importante deixar claro que o evento é uma iniciativa de todos os governos participantes. Nesse espaço, governos e indústrias se conectam em prol de melhores iniciativas para o desenvolvimento da atividade.
Na edição de janeiro de 2024, houve a participação de 74 governos, com destaque para conversas interministeriais que indicam as mensagens principais. Esse é justamente um dos objetivos da visita da comissão ao Brasil: engajar empresas mineradoras e fornecedores do setor nesse evento. A ideia é juntar no evento os países produtores de minerais e estabelecer acordos em áreas de interesse conjuntas.
BRASIL MINERAL - Quais seriam essas áreas?
ALDO PENNINI - No momento estamos trabalhando em três áreas. Até agora falei apenas sobre a roda de conversa ministerial, que é a primeira parte do evento, a governamental. Essa estrutura é a mesma desde 2022, quando teve início o FMF. Em 2024, as três áreas endereçadas foram: o desenvolvimento de uma estratégia internacional para a área de minerais estratégicos, pois muitos governos estão correndo para buscar o fornecimento desses minerais, um dos desafios mais importantes atualmente – a estratégia é desenvolver ações conjuntas em, por exemplo, pesquisa geológica, exploração, alinhamento de políticas, atração de investimentos em exploração, mineração e infraestrutura, de forma a obter melhor entendimento dessa demanda futura. Uma segunda área é tecnologia e inovação e a terceira a parte de descarbonização e todo o contexto de sustentabilidade, desenvolvendo uma força de trabalho futura para a mineração. Para trabalhar essas áreas foram estabelecidos grupos de trabalho que juntam governos e outros stakeholders.
BRASIL MINERAL – Como o Brasil pode colaborar nesse fórum?
ALDO PENNINI - O Brasil tem uma experiência histórica de mineração, ponto importante da visita da comissão ao país, além de grande expertise no desenvolvimento sustentável da atividade, ou seja, atende a parte estratégica. Mas o maior desafio é como dar voz aos países produtores de minerais, identificando o que é importante em termos de produção sustentável e como se produz um balanço disso com as demandas do mercado, de forma a atender aos altos níveis de exigência de sustentabilidade dos países compradores.
BRASIL MINERAL – Qual a importância da sustentabilidade para o FMF?
ALDO PENNINI - A maioria dos novos produtores de bens minerais são países não-desenvolvidos e precisamos ajudá-los a atrair investimentos e produzir de maneira sustentável ao longo do tempo. A conversa de sustentabilidade é sobre como os países produtores participam ativamente e influenciam esse diálogo com o mercado. A ideia principal é permitir que os investimentos cheguem aos novos países produtores.
Um exemplo: os países que estão sendo trabalhados pelo Fórum são toda a África, Ásia Oeste e Ásia Central. De acordo com o Banco Mundial, 75% do investimento global vai para países que não estão nessas regiões – Canadá, Austrália, alguns países da América Latina, talvez o Brasil, mas não para as regões que citei. Uma das razões para isso é a preocupação dos investidores com o nível de sustentabilidade. Quando se considera todas essas regiões, é preciso ter em mente que esse conceito tem que mudar.
BRASIL MINERAL – Qual seria a terceira vertente do Fórum?
ALDO PENNINI – Capacidade de construção. O objetivo é criar uma rede de centros de excelência. A ideia que é que os países produtores possam treinar pessoas, aplicar tecnologia e inovação de maneira sustentável para poder atrair investimentos e permitir a produção dos volumes necessários. Portanto, estratégia, sustentabilidade e a capacidade de construção são as três áreas trabalhadas pelo FMF.
Em adição a isso, em 2025 o Fórum irá focar no uso de Inteligência Artificial na produção mineral e como comunicar melhor o papel dos minerais para a sociedade, além de incentivar os países produtores a gerarem valor agregado. O desafio é que nem todos os países produtores são capazes de ter toda essa cadeia.
Essa é uma das questões que o FMF vai endereçar: como espalhar os benefícios da verticalização a todos os países. Uma conversa que já existe na África, na América do Sul, inclusive no Brasil, e precisamos encontrar um caminho que capacite as indústrias e governos a trabalharem juntos para que os benefícios dessa cadeia de valor sejam amplificados para outros países, considerando, é claro, a viabilidade econômica.
O FMF é hoje, sem dúvida, o maior evento global para apoiar governos e indústrias no desafio da mineração. Em 2022, apenas cinco CEOs de companhias globais de mineração participaram do evento. Em 2024, esse número pulou para 45.
BRASIL MINERAL – Voltando ao Brasil, quais são os potenciais identificados pela comitiva?
ALDO PENNINI – Estamos aqui para aumentar a importância da percepção do FMF e convidar o Brasil a fazer parte dessa importante conversa, tanto em nível governamental quanto da indústria – mineradoras, centros de pesquisa, instituições de ensino e todas as partes envolvidas com tecnologia. O conhecimento trazido no FMF é aplicado na prática globalmente. Fizemos vários encontros governamentais nessa visita e faremos uma reunião com o Ibram.
A Vale já realiza investimentos na Arábia Saudita e, apesar dos problemas havidos, ela é considerada uma empresa importante em desenvolvimento de tecnologias e sustentabilidade, podendo contribuir muito para o Fórum. Como estamos falando da criação de cadeias de valor, a Vale é referência em nível global.
No nível governamental, o Brasil, assim como a Arábia Saudita, são países que têm papel chave e muito a contribuir com esse desenvolvimento da cadeia de valor, especialmente no aspecto da sustentabilidade. Queremos transformar as discussões globais em ações práticas.
O que diferencia a mineração do Brasil em relação aos demais países é a sua enorme experiência de engajamento com as comunidades e também o seu mecanismo de regulamentação – exemplos que nos interessam. Ou seja, os desafios que o Brasil enfrentou no relacionamento com as comunidades e em termos de sustentabilidade e o que aprendeu com isso é o que queremos replicar. Mas é claro que o Brasil tem também um suprimento de minerais críticos que são de interesse não apenas da Arábia Saudita, mas de todo o mercado consumidor.
BRASIL MINERAL – Quais os minerais de maior interesse para a Arábia Saudita hoje?
ALDO PENNINI – Somos grandes consumidores de Minério de ferro – vital para o desenvolvimento da infraestrutura, mas também existe interesse pelos minerais de transição energética, como cobre, lítio, níquel, cobalto, manganês. Mas o desenvolvimento tecnológico vai exigindo diferentes suprimentos minerais.
BRASIL MINERAL – O Sr. mencionou nesta conversa a necessidade de desenvolver conhecimento. Como isso se dá na Arábia Saudita?
ALDO PENNINI – Dentro da estratégia 2030 da Arábia Saudita, a inovação é um pilar-chave. E há capital intensivo investido na criação de Centros Tecnológicos em todas as áreas. No caso da mineração, foi anunciado um novo centro de pesquisa e desenvolvimento na Arábia Saudita, com foco em novas tecnologias e incubação/aceleração de novas empresas – resultado das recomendações do Fórum de 2024. Nosso objetivo é que este e outros centros façam parte de uma rede maior de inovação, produzindo conhecimento e desenvolvimento para diversos países. Nessa troca de conhecimento o Brasil pode ajudar muito.
BRASIL MINERAL – O Sr. se referiu também, várias vezes, ao desejo de transformar a teoria em prática. Como isso será possível?
ALDO PENNINI – Essa é uma ótima pergunta. Estamos identificando projetos-chave de mineração e infraestrutura em diversas regiões da África e em outros países onde há dificuldade de investimentos, entre outros problemas. Estamos selecionando de um a três projetos-chave para dar início a essa jornada de ações práticas para encontrar maneiras de financiar as iniciativas. No evento de janeiro de 2025 esperamos apresentar algumas dessas recomendações e trabalhar em conjunto com governos e investidores para desbloquear os entraves desses projetos para as regiões em desenvolvimento que trabalhem com minerais críticos. Os recursos poderão vir do Banco Mundial, de bancos privados ou através de consórcios.
Quanto ao centro que está sendo construído na Arábia Saudita, esperamos também anunciar na próxima edição do Fórum uma série de parcerias a serem estabelecidas com outros centros ao redor do mundo.
Em termos de sustentabilidade, a expectativa para o próximo encontro é que já estejam definidos princípios ou conceitos-chave que reflitam as prioridades dos países produtores. Obtido o consenso nesses princípios, a orientação será então compartilhada com organismos internacionais. O efeito prático será a possibilidade de trazer mais investimentos para esses países provedores.
BRASIL MINERAL – Algum desses investimentos poderá ser direcionado ao Brasil?
ALDO PENNINI – Teoricamente, sim. A Arábia Saudita já possui participação de 10% na área de Metais Básicos da Vale e estamos procurando novas oportunidades de investimentos em companhias brasileiras nas áreas dos minerais críticos. Assim como também estamos oferecendo a oportunidade de empresas brasileiras explorarem minerais na Arábia Saudita. Um caminho de duas vias.
BRASIL MINERAL – É possível antecipar o interesse em algum mineral específico? Seria em projetos já operacionais?
ALDO PENNINI - Zinco e cobre, mas não posso dizer o nome das companhias, pois as conversas estão muito iniciais.
BRASIL MINERAL – Qual a importância da mineração na Arábia Saudita?
ALDO PENNINI – Nos últimos 70 anos exploramos apenas petróleo e agora estamos investindo pesado em conhecer o potencial de mineração do país, dentro de uma das maiores pesquisas geológicas em andamento no mundo. Já sabemos que a Arábia Saudita tem recursos minerais significativos, mas estamos na fase de entender essas possibilidades para depois partir para a exploração. A estimativa do governo é que os recursos em potenciais minerais estejam na casa dos US$ 2,3 trilhões. No total, 42 bens minerais, com destaque para ouro, fosfato, cobre, níquel e minério de ferro. Desenvolver a mineração faz parte dos planos da Arábia Saudita de diversificar sua economia – hoje é o terceiro pilar da base econômica do país. Até lá, importaremos os bens minerais que precisamos.
É preciso diversificar a produção de bens minerais no mundo todo, concentrada hoje em poucos países. Diversificar a cadeia de suprimentos diminui os riscos – foi o que nos mostrou recentemente a pandemia COVID-19 e a guerra da Rússia x Ucrânia.
BRASIL MINERAL – De que forma o país está se preparando para capacitar a mão-de-obra necessária para as atividades de mineração?
ALDO PENNINI – A Arábia Saudita já conta com uma rede grande de universidades e estamos incentivando mais cursos na área de mineração, que tem despertado muito interesse pelas mulheres. Temos uma universidade para mulheres que ministra cursos de mineração e tecnologia avançada. Além disso, temos enviado profissionais para se capacitarem em outros países. Os planos são grandes.
BRASIL MINERAL – Qual o balanço das visitas realizadas?
ALDO PENNINI - Temos uma ambição muito grande – é a primeira vez que estamos vindo para a América do Sul e para o Brasil em particular para engajar a região nesse propósito e o retorno foi muito positivo, tanto do governo quanto do setor privado. Nas conversas que estamos tendo com o Ibram estamos buscando possibilidades de aumentar a participação do Brasil no FMF, acordo que está prestes a finalizar. Não tenho dúvida de que o Brasil pode participar mais desse debate.
(Mara Fornari)