Ainda há um caminho para tirar o X da questão

15/06/2023
Como promover a convivência harmoniosa entre a atividade de mineração e as comunidades foi o tema no primeiro dia

 

“Como tirar o X da Questão?” ou como evitar conflitos e promover a convivência harmoniosa entre a atividade de mineração e as comunidades foi o tema predominante no primeiro dia da 8ª edição do Mineração&/XComunidades. que ocorre nos dias 14 e 15 de junho de 2023, na sede da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), em Belo Horizonte. O evento tem transmissão ao vivo pelo canal da Brasil Mineral no YouTube, é gratuito e uma parceria entre a Brasil Mineral, a consultoria Integratio e o Sindicato da Indústria Mineral do Estado de Minas Gerais (SINDIEXTRA).

Video Url

Antes do painel do primeiro dia, Gabriela Blanchet, Coordenadora da Curadoria de Conteúdo dos Congressos do IBGC, Sócia do escritório Blanchet Advogados, realizou palestra sobre a mudança no ambiente dos negócios depois da pandemia da COVID-19 e do conflito Rússia x Ucrânia, o que exige uma maior parceria e colaboração entre as organizações mundiais e uma preocupação também crescente entre as empresas e as comunidades. “A própria sociedade mudou, e com o poder da informação em mãos, sendo a informação fake ou não, está cobrando mais posicionamentos socioambientais das companhias”. 

Gabriela disse que tal cobrança ocorre no âmbito social e ambiental e pede transparência sobre os negócios empresariais. A Governança corporativa tem que ser mais transparente e sem a governança, o ambiental e o social (as duas outras letras do ESG) não segue adiante. “Quando se fala em mineração, o que mais aparece é o impacto ambiental, mas o setor tem que trabalhar em longo prazo para atender as três letras do ESG, com uma comunicação mais assertiva e ações concretas complementadas pelos padrões de governança corporativa. Muitas empresas têm incorporado os ODS da ONU em suas estratégias, pois todos estão ligados à melhoria das comunidades. Olhando para o futuro, não dá mais para fazer o ‘business as usual’. Nós temos que mudar”. 

O Painel “O que fazer para tirar o X da questão” teve a moderação de Gabriela Blanchet, e entre os debatedores, Raul Jungmann, presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), João Luiz de Carvalho, Vice-presidente da ABPM – Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa Mineral e Mineração, Waldir Salvador (Juninho), Consultor de Relações Internacionais e Diversificação Econômica da AMIG – Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais, Cristiano Parreiras, Diretor Administrativo do Sindiextra e Leandro César de Carvalho, gerente regional da Agência Nacional de Mineração –MG.  

O primeiro participante do debate foi João Luiz de Carvalho, da ABPM, que disse que a entidade busca promover uma mineração sustentável e competitiva, com sugestões que melhorem o ambiente regulatório do setor, deixando de ser o “patinho feio” para a sociedade e mostrando a importância da indústria. “O bom desenvolvimento sustentável passa por três pilares: relacionamento com as comunidades anfitriãs e o zelo pelas mesmas, a responsabilidade do minerador nas práticas ESG durante todo o projeto e a criação de projetos estruturados e sustentáveis do início até o pós-fechamento, e, em sintonia com as comunidades locais”, afirmou João Luiz. 

A mineração deve atentar para atender a exigências e observâncias legais, atender a características da comunidade e aos impactos do projeto ao longo de sua vida útil, identificar as expectativas das comunidades sobre o projeto mineral, elaborar e acompanhar uma estratégia de relacionamento e divulgar relatórios sobre o andamento do empreendimento para todos. 

Na questão ESG, a métrica deve evoluir com a vida do empreendimento, com a criação do desenvolvimento regional continuado e assegurar as compensações fiscais em benefício das comunidades, mesmo depois do projeto e considerar como compensações fiscais os investimentos diretos da mineração em comunidades locais. “A ABPM busca orientar aos associados para que eles entendam o que está acontecendo no mercado nacional e internacional, sendo que no Brasil isto ainda está atrasado. Além disso, damos assessoria para sanar as dúvidas das comunidades”. 

Leandro Carvalho, da ANM-MG, disse que a agência, desde os acidentes com as barragens, tem aprimorado e estudado as estruturas até atingir na questão das pilhas de rejeitos e estéril. “Somos mais criteriosos hoje em dia onde essas estruturas serão implantadas, pois até então, os projetos não dimensionavam o impacto junto às comunidades. Precisamos ser rigorosos e aprender com os acontecimentos e estar mais próximos das comunidades, para a implantação de novos empreendimentos”. 

Raul Jungmann, diretor-presidente do IBRAM, disse que o “X” da questão está em três pontos: O que as comunidades esperam de nós (desenvolvimento social e econômico): um problema com a CFEM, que não faz a amarração do royalty e sua correta aplicação e destinação dos recursos minerais. Em alguns lugares estão contratando servidores terceirizados ilegalmente, por isso Jungmann pede uma revisão sobre a legislação da CFEM. “Não há futuro sem responsabilidade social e a mineração tem que ser responsável pelos impactos que provoca, pensando apenas no lucro do acionista. Temos um desafio com o futuro da humanidade em um mundo que cai aos pedaços. E este compromisso faz com que lutemos contra o garimpo ilegal. Não podemos deixar para filhos e netos uma natureza pior do que temos hoje”. 

Na sequência, Cristiano Parreiras, do Sindiextra, disse que não tiraria o “X” e sim o “&” do tema, pelo fato do “X” multiplicar a convivência entre mineração e comunidades. “Nós damos oportunidade de as comunidades participarem de audiências públicas com o objetivo de manter o diálogo entre empresas, Poder Público e sociedade, além de combater a mineração ilegal e clandestina, que geram condições inadequadas de trabalho”. A atividade mineral é essencial para o nosso meio de vida e não existe companhia mineradora que não olhe para a sua comunidade, concluiu Parreiras. 

Fechando o primeiro debate, Waldir Salvador (Juninho), Consultor de Relações Internacionais e Diversificação Econômica da AMIG – Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais, disse que o setor ainda não conseguiu alcançar a mineração adequada e que isto não vai tirar o “X” da questão. “Estamos falando de acidentes na relação entre mineração e comunidade, já que a imagem ruiu ao longo do tempo. O que nos interessa é a realidade de fato e CFEM não foi paga para consertar catástrofe de mineração. Temos que ter cuidado com o que falamos. A CFEM tem que ser para capacitação de quem trabalha na mineração. Na visão dos municípios, as empresas têm que ter noção de como vão impactar a comunidade”. 

Juninho diz que é preciso que as empresas entendam da absoluta transparência e da importância em comunicar às comunidades quais são os tipos de impactos que ela pode enfrentar. “Mineração não tem rigidez vocacional, ela vai aonde o minério está”. A mineração tem que ser conversada de igual para igual, e o setor sabe o motivo pelo qual não é bem-vindo hoje. “A comunidade não é contra a mineração, mas contrária como ela é feita atualmente”. 

Logo após a primeira mesa, o deputado federal Zé Silva, presidente da Frente Parlamentar de Mineração Sustentável (FPMin), em vídeo, abordou as boas práticas da mineração que é base de sustentabilidade para o agronegócio. “A mineração não pode viver das exceções, e estamos realizando missões técnicas para construir uma opinião nacional sobre as boas práticas sustentáveis. O Pacto da Humanidade é produzir alimentos, gerar riquezas minerais e proteger o meio ambiente”. 

Outro ponto abordado pelo deputado é a garantia de reestruturação da ANM para que o estado cumpra o papel do empreendedor ser legal. É um projeto prioritário e que receberá investimentos em tecnologia, ciência, para, cada vez mais, conhecer as riquezas minerais brasileiras. 

O que a geologia pode fazer?

Gabriela perguntou para aos participantes como se pode controlar e mitigar os impactos para uma relação mais harmônica desde o início. 

Marcos André Gonçalves- presidente do Conselho da Adimb, disse que muito mudou no plano pessoal e que há um caminho em que se pode fazer melhor. Do ponto de vista do geólogo, a comunidade o tem como o representante da mineradora. “Existe uma expectativa das comunidades que buscam o melhor para a região, e o geólogo tem que ter atitude e paciência para explicar o que ele está fazendo no local”. 

Para Gonçalves, atualmente é necessário uma equipe bem preparada e com sensibilidade para trabalhar em áreas vulneráveis, para orientar o público que será afetado pelo empreendimento. “Embora a área do geólogo seja técnica, você tem que saber lidar com a área social do local de trabalho. O nosso trabalho é uma vitrine, onde extamos expostos”. Do ponto de vista da pesquisa mineral é necessário um vínculo do profissional com a comunidade, para não prejudicar a relação entre as partes. 

Hoje em dia, no Brasil ainda não se tem capacidade de capacitar investimentos para pesquisa mineral. “Você não consegue realizar um trabalho de qualquer jeito e o mau exemplo e má prática é questão de polícia”. Gonçalves explica que tem certas praticadas antigamente, que hoje, se adotadas, queimam a imagem da empresa. 

Sobre a situação das barragens, Gonçalves afirma que a legalidade é problema de polícia, e quem sucumbe a este tipo de pressão tem que responder por isso. “Competência, transparência se aplica a muita coisa e uma questão como essas, se é um erro, tem que se questionar”. 

José Ricardo Pisani, presidente da CBRR, disse que a geologia é o início da proatividade e leva o cartão de visitas para a comunidade. “Muitas vezes vamos para a comunidade, e não nos apresentamos. Isto torna a mineradora para a comunidade um intruso”. Parte do setor, na geologia, temos que nos apresentar de uma melhor forma, explicando o que vamos fazer na região e sanando todas as dúvidas. “Não podemos tirar o “X”, mas adicionar o “&”. 

A geologia atual está melhor que a de antigamente, pois as empresas verificam a necessidade de minerar ou não em determinada terra, e não prejudicar a comunidade. Quando há aproximação de áreas originárias, existe um planejamento para mudar o foco da exploração. Tudo isso é feito de forma organizada”. Houve uma mudança na legislação que quem assume o relatório das barragens, assume a responsabilidade. Além disso, existe um código de ética de cada profissional, e cada um aceita pressão ou não”. 

Carlos Bruno Ferreira da Silva, Procurador Geral da República (MPF/MG) e que está na coordenação da Força-tarefa de Brumadinho, disse que no momento a mineração não está junto com a comunidade e que há um cenário de confronto. “O Brasil é atrasado por uma razão e há atrasos principalmente na mineração. O que ocorreu em Mariana e Brumadinho mostrou que existe um problema no setor”. Ferreira diz que as mineradoras querem pagar menos CFEM e destrói o meio ambiente. Boa parte dos morros em Minas Gerais está todos escavados. No estado, temos diversos exemplos de atividades com perigo para as comunidades. Porém, a mineração não devolve para as comunidades tudo que elas retiram, principalmente na área ambiental. Na responsabilização, não precisa demorar quatro anos para um processo. “De repente, um pedido público de desculpas da Vale para a comunidade fosse mais leal”. O título do painel não existe, pois o conflito interessa a muita gente. Os entes do Poder Público tentam trabalhar em conjunto para alcançar bons acordos e tragam benefícios para as populações. 

Alexandra Andrade Gonçalves Costa, presidente da Avabrum, comentou que as partes pioraram a comunicação depois do rompimento em Brumadinho. “A Avabrum quer que as pessoas sejam responsabilizadas e ainda lutamos pelas últimas três vítimas não encontradas, pela memória dos mortos e para que o evento não aconteça novamente”. O “X” persiste porque a mineração não abre mão de nada e Brumadinho foi mudado por uma tragédia. “Muitas pessoas do município fecharam ou perderam empregos, passaram a ter problemas psicológicos, depressão e tantas outras doenças”. 

Segundo Alexandra, a comunicação entre comunidade e a Vale é complicada, pois muitas indenizações ainda não foram pagas, há risco de crise hídrica, desapropriação, e, tudo que é para beneficiar familiares de vítimas é muito moroso. “Faltou transparência e respeito com o ser humano e a vida e responsabilidade socioambiental não é marketing”. Sobre a TÜV SÜD, a matriz se mantém inerte a comunicação também é difícil. 

Forum de Líderes 

Logo em seguida, o Forum de Líderes contou com a participação de Luiz Enrique Medeiros (Vale), Eduardo Ledsham (Bamin), Gilberto Azevedo (Kinross), Edson Del Moro (Hochschild) e Antônio Neto (Ero Brasil).

Questionados sobre o que é mais desafiador na relação das mineradoras com as comunidades, o primeiro a comentar foi Antonio Neto, Diretor Jurídico e de Relações Institucionais da Ero Brasil, que destacou que existem diversos tipos de conflitos (de terra, de família, demarcação, etc), infraestrutura (água) e 80% da água é para a comunidade. “Tratamos dos nossos resíduos a seco e investimentos em tecnologias em busca do que fazer com o rejeito”. 

Neto vê um grande problema colocar a culpa nas mineradoras por algo que o Estado não faz, e isso, o ESG é uma obrigação. “Ele é um carro-chefe para a mineração hoje em dia e temos que cobrar o investimento da CFEM”. Neto conclui dizendo que é preciso ter respeito e transparência com a comunidade. “Tentamos reduzir os impactos que são inegáveis. A mineração e perigosa, mas buscamos ter a segurança ao máximo. Para você garantir alguma segurança é necessário investimento”. 

O segundo a falar foi Edson Del Moro, Country Manager Hochschild Mining, que comentou dos desafios de se implantar um projeto do zero, em Mara Rosa. “Temos 1.800 funcionários em plena implantação, basicamente 20% da população da cidade, o que é muito importante economicamente para o município. Temos trabalhado com abertura e transparência para todos os stakeholders conhecerem o empreendimento e para que saibam o que está acontecendo e sendo feito, para participar ativamente”. 

A Hochschild criou a Trilha do Conhecimento, que mostra em três etapas a cultura da região e um pouco da nossa mineração. O projeto é aberto à população. “Damos abertura aos funcionários para que eles possam dar qualquer observação Junto à companhia. Esse retorno é positivo para todos, para que o legado seja de toda a população”. Em sua conclusão, Del Moro usou o exemplo da aviação que investe muito em tecnologia. “No nosso caso é mais fácil, pois começamos sem barragens em Mara Rosa, não só nesse quesito, e o principal, investir em tecnologia para desenvolver tal atividade”. 

Luiz Enrique Medeiros, Diretor de Gestão Territorial Sudeste/VP de Sustentabilidade da Vale, disse que foi necessário realizar mudanças radicais na companhia para evoluir e hoje há um líder que atua diretamente junto à comunidade. “Precisamos resgatar um pouco da nossa credibilidade”. 

Medeiros disse representar uma área de quase 80 profissionais que está em contato com a comunidade e recentemente a mineradora realizou uma grande pesquisa nacional, com abrangência comunitária, onde ficou constatado que é preciso ouvir mais as comunidades, reagir e, principalmente, resolver os conflitos em Minas Gerais, principalmente em Brumadinho. “O importante é ter um senso de vizinho, e um bom vizinho”. 

Eduardo Ledsham, CEO da BAMIN, disse que Brumadinho é um divisor de águas da mineração. “Hoje o cliente só aceita o seu produto caso você apresente o certificado de segurança de barragem e nosso projeto demorou sete anos para conquistar a licença do porto, o que demonstra a resiliência da empresa. 

O projeto faz parte de uma cadeia mina-ferrovia-porto e, desde o início começamos um programa de formação na comunidade. Investimentos em um programa de treinamento e atualmente 78% da mão-de-obra do empreendimento são locais. A mina opera na casa de 1 milhão de toneladas de minério de ferro, enquanto a ferrovia cruza 22 municípios em uma região extremamente carente. A comunidade nos vê como alavanca de prosperidade. A BAMIN gerou 12.500 empregos durante a construção e diretos serão até 50 mil. Sobre a segurança, Ledsham, concluiu que a empresa busca as melhores práticas para reduzir ao máximo os impactos da atividade insalubre da mineração. 

Gilberto Azevedo, presidente da Kinross Brasil, afirmou que independente das nossas crenças, estamos juntos em uma jornada e temos progredido ao longo do tempo. “Tenho dificuldade em pensar em determinado assunto, principalmente contemporâneo, como unanimidade. E este não será o caso da mineração. Temos que lidar com as diferenças e aprender a trabalhar juntos”. 

A mineração precisa do Poder Público, como liderança democrática, para atingirmos os melhores indicativos dos ODS da ONU. Em Paracatu, a relação é entre pessoas com visões antagônicas e diferentes perspectivas, mas com a unanimidade da cidade trabalhar junto, construir junto. “Minha percepção é que nem todos entendem os objetivos maiores. A maior legitimidade para unir os dois lados é o Poder Público e temos uma estratégia inicial que se adequa há longo tempo em prol de algo maior. Para isso, é necessário continuar rumo a um futuro melhor, apesar das dificuldades”. Azevedo finalizou dizendo que não é a empresa, nem o CEO que garantem a segurança, mas é todo um processo construído, com acompanhamento de todos, é mais um desafio que temos que lutar juntos.

Fotos: Leo Fontes