Por Milton Rego
Glasgow, talvez a mais bela cidade da Escócia, é um ponto de partida para quem quer visitar destilarias de whisky. Em novembro, o céu está sempre nublado e a temperatura oscila em torno dos 10º C - perfeito para degustar a bebida.
Nesse novembro, a atenção do mundo estará em Glasgow, mas não por causa do famoso destilado Entre os dias 1º e 12, a cidade recebe a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-26).
Será o primeiro encontro depois do início da pandemia. E a pressão por compromissos mais severos em favor da agenda ambiental promete ser grande. Ali serão debatidas questões fundamentais como controle de emissões, taxação de carbono, transição energética, financiamentos, entre outros assuntos.
O Brasil chega a Glasgow visto com desconfiança e sem uma proposta crível da parte do governo. Não deve ter voz nas principais discussões. Será figurante num palco em que deveria ser protagonista.
As apostas da COP-26 são altas. Há consenso (que não existia há uma década) de que é necessário fazer mudanças drásticas e imediatas para prevenir catástrofes que podem ter um custo bem maior do que as mudanças.
A Europa ocupa a vanguarda do movimento, empurrada por uma sociedade engajada que colocou verdes e partidos de esquerda no Parlamento. O caminho europeu está claro. O seu Pacto Ecológico definiu as metas mais ambiciosas para a redução das emissões.
A grande expectativa é com relação à China e aos Estados Unidos. O primeiro já se comprometeu com a neutralidade de carbono (ou seja, alcançar o equilíbrio entre emissões e a sua retirada da atmosfera) até 2060, mas ainda aumentará as suas emissões até 2030. Dos norte-americanos, além do reposicionamento em relação ao Acordo de Paris, que haviam abandonado durante o governo Trump, espera-se a oferta de linhas de financiamento para projetos de economia verde.
Os países em desenvolvimento também terão questões importantes para decidir, como a transição energética e a preservação das florestas, que possuem papel fundamental na redução das variáveis climáticas.
Os temas sobre a mesa são complexos e afetam em graus diferentes nações e empresas. No Brasil, como em muitos lugares, o grau de maturidade sobre a importância das mudanças climáticas varia de ator para ator. Mas, de modo geral, há duas certezas: 1) o tema é importante; 2) e, se até agora foi mais barato produzir emitindo dióxido de carbono, isso já não é certo para o futuro.
O que está claro é que não existe uma combinação que sirva para todos. Nesse caso, é imperativo uma atuação coordenadora do governo promovendo, por exemplo, a modelagem de fontes energéticas, mercados de carbono, uso da terra e por afora.
Na ausência de algo parecido por aqui, as empresas brasileiras tratam de se virar para valorizar seus produtos e não saírem mal na foto. O Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) produziu um documento assinado por várias empresas em prol de uma postura mais proativa do Brasil para uma economia de baixo carbono. Diversas associações e a própria Confederação Nacional da Indústria (CNI) estão preocupadas com o sistema de precificação de carbono que o Brasil irá adotar.
Se não existe um mínimo consenso na terra da cachaça, imagine a aflição da indústria a respeito das regras que serão debatidas na terra do whisky. Elas deverão afetar os custos dos produtos de exportação e a sua competitividade com a criação, por exemplo, de mecanismos de ajuste de carbono nas fronteiras (CBAM) por parte das economias avançadas.
E não é só a indústria que será afetada. O agronegócio já sente os efeitos de um mercado em alerta e nada tolerante em relação a um país que afrouxou os mecanismos de proteção ambiental e cujo verde vira cinza, literalmente. As restrições às exportações de produtos que não tenham uma estrutura certificada para a garantia de procedência são cada vez maiores, por exemplo.
Mais uma vez, o Brasil será um “ruler taker” em relação à mudança mais importante dos últimos 50 anos. As empresas têm pela frente um futuro desafiador. Vão ter de antecipar despesas, pois será necessário reformular processos de produção cumprindo, ao mesmo tempo, seus objetivos de lucratividade. O Brasil, que já tem no passivo uma década perdida, precisará crescer mudando os seus padrões de descarbonização.
Pelo visto, está pintando uma bruta ressaca depois de novembro.