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Redes sociais, fake news e democracia

01/09/2021
Coluna de Milton Rego

 

Por Milton Rêgo 

Mesmo que seja mentira, de qualquer forma vamos transformá-la em verdade. E o que interessa é aquilo em que as pessoas acreditam. (diálogo do livro “O Homem que Amava os Cachorros”)

 

- Você é um bolsominion! Não vê o que está acontecendo ?

- E você, já que gosta de comunista, por que não vai para Cuba?

Provavelmente você já viu um diálogo como esse em algum grupo do Whatsapp. A verdade é que nunca vivemos tanta polarização e esgarçamento da relação entre as pessoas. Por que isso acontece?

Atravessamos tempos sombrios. A informação se tornou disfuncional. Experimentamos em grau máximo uma espécie de mal-estar contemporâneo: a impossibilidade do diálogo. 

O desentendimento irreversível é o que torna tão atraentes conceitos como o da guerra cultural. A ideia seduz aqueles que estão em ambas as extremidades do espectro político. De Gramsci, filósofo marxista italiano dos anos 1920, até o norte-americano Steve Banon, expoente da Alt-Right e ex-guru de Trump, e o seu equivalente verde-amarelo, Olavo de Carvalho. Em comum, defendem a noção de que a tomada do poder começa com a luta pela hegemonia cultural.


 

Hoje, as redes sociais são campo principal onde essa batalha se desenrola. A lógica de funcionamento das redes fomenta radicalismos. Reportagem publicada pelo The Economist mostrou o fenômeno da nucleação dos grupos nas redes em função das interações e como isso contribui para a polarização política.

“(...) os algoritmos que o Facebook, o YouTube e outros usam para maximizar o ‘engajamento’ garantem que os usuários tenham maior probabilidade de ver as informações com as quais podem interagir. Isso tende a levá-los a grupos de pessoas que compartilham ideias semelhantes e podem transformar visões moderadas em outras mais extremas. É como se você começasse como vegetariano e acabasse como vegano.

Ambientes assim representam terreno fértil para as fake news. Políticos foram dos primeiros a perceber o poder magnetizador das notícias falsas. A campanha de Donald Trump se converteu no exemplo eloquente do uso do famigerado recurso. O documentário Get me Roger Stone, do Netflix, mostra a atuação do estrategista político norte-americano na campanha que elegeu Trump.

“It’s better to be infamous than never to be famous at all”, máxima cunhada por Stone, nunca ficou somente no campo retórico. Desprovido de qualquer escrúpulo e trabalhando no limite da legalidade, ele montou uma usina de mentiras para atacar os adversários de Trump durante a corrida presidencial. É de sua alçada a infame história de que Hillary Clinton ajudava o marido a abusar sexualmente de mulheres. Muitos americanos acreditaram na mentira.

A infâmia levada ao paroxismo motivou uma previsão sombria da escritora irlandesa Angela Nagle. “O discurso público nunca foi tão idiota, cruel, irracional e absolutamente inútil em minha vida como é agora. O ponto a que as guerras culturais nos levaram é realmente a de uma guerra entre dois lados irreconciliáveis. Cada lado quer um mundo em que o outro prefira morrer a aceitar”.

As “fakes news”, “junk news” ou o nome que se queira dar à mentira travestida de verdade, tão populares em grupos de Whatsapp e no Twitter, chegaram também ao Linkedin, que até há pouco só trazia postagens sobre empresas, negócios e carreira. Afinal, são também um business lucrativo. Segundo a professora Rose Maria Santini, pesquisadora da UFRJ, pesquisas recentes mostram que “o extremismo atiça os usuários, aumenta o contágio e a influência, amplia o compartilhamento e gera indignação, que é um dos sentimentos que mais estimulam o engajamento”. 

Em agosto, o corregedor-geral da Justiça Eleitoral aqui no Brasil determinou a suspensão da monetização de canais envolvidos na divulgação de notícias falsas e de ataques à democracia em diferentes plataformas da internet. Somente no YouTube, os 14 canais atingidos pela decisão eram capazes de gerar até US$ 2,9 milhões (cerca de R$ 15 milhões) por ano em receita. 

Engatinhamos na regulação das mídias sociais e na sua responsabilidade pela disseminação das fake news. E a discussão já está contaminada por posições oportunistas, que sacam o argumento da liberdade de expressão para continuar atirando mentiras de maneira irresponsável. O presidente Bolsonaro, por exemplo, cuja atitude hostil em relação à grande imprensa se tornou uma marca de governo, sugere alterações no marco civil, pois estaria preocupado com o que chama de “censura” aos perfis de direita que o apoiam. 

E por que escrever sobre esse tema na Brasil Mineral? Porque os leitores deste portal têm papel relevante nas empresas e na sociedade. A questão das mídias sociais e das fake news são tópicos da maior importância para a democracia e, portanto, para as empresas – tão importantes quanto discutir a pegada de carbono ou diversidade. Parte da questão, sem dúvida, é o estabelecimento de marcos legais. Mas a outra parte diz respeito ao nosso papel em jogar a favor da democracia e inibir o extremismo.

Seria péssimo para o Brasil chegar às urnas mais uma vez dividido e radicalizado. Conhecemos o final desse filme. Não é feliz. Temos de criar condições para um debate político maduro, para a construção de uma agenda de convergência e crescimento, de fortalecimento da democracia. Precisamos criar perspectiva. E isso só se faz com a participação ativa de todos, pessoas e empresas.