Decisão do STF a favor das taxas de mineração é injustificada e pune o setor

08/08/2022
Artigo por Paula Azevedo de Castro * 

 

No início dessa semana, o STF decidiu, por maioria de votos, pela constitucionalidade da Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerários (TFRM) instituídas em Minas Gerais, Pará e Amapá. 

A constitucionalidade das TFRM’S se tornou tema de grande debate na última década e foi questionada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) por meio de Ações Diretas de Inconstitucionalidade.

As taxas estaduais sobre a fiscalização da atividade mineral, que seguiram a pioneira TFRM mineira de 2011, foram criadas sob o argumento da existência de uma baixa contribuição a título de Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) pelos mineradores aos cofres públicos estaduais. Hoje, além dos três Estados, Mato Grosso do Sul e Goiás também instituíram a cobrança da taxa.

As discussões sobre a inconstitucionalidade dessas taxas têm como argumentos a impossibilidade de criação de taxas sobre a fiscalização das atividades minerárias por parte dos Estados (a competência seria exclusiva da União); no fato da base de cálculo ter natureza integral de imposto e na desproporção entre o valor arrecadado e o custo da suposta fiscalização feita, notadamente em razão dos limites dessa, ante às regras constitucionais. Não se afasta ainda o debate sobre possível sobreposição a outras taxas de fiscalizações ambientais dos empreendimentos minerários nestes Estados, principalmente considerando as destinações dos valores arrecadados.

Ao julgar válidas as leis de Minas Gerais, Pará e Amapá, o STF argumentou que “os Estados possuem competência para instituir taxas de forma a efetivar a atividade de fiscalização (poder de polícia) e de que a base de cálculo fixada obedece ao princípio constitucional da proporcionalidade”. O relator do caso, o Ministro Edson Fachin, argumentou que a taxa possui natureza extrafiscal “porque desincentiva atividades degradantes e permite que o Estado se planeje para evitar desastres ambientais”

Com todo respeito à interpretação trazida pelo Ilustre Ministro e, sem negar a memória dos tristes eventos ocorridos nas cidades de Mariana e Brumadinho em Minas Gerais, é preciso cautela para não subverter a ordem e desconsiderar todo um ordenamento jurídico sob a justificativa de urgência de ações de prevenção, assim como partir de um pressuposto de que seria uma sanção negativa que desincentivaria a degradação ambiental. 

Não pode ser este o objetivo (ou a justificativa) para a instituição de tributo. Caso assim se faça, haverá um direcionamento contrário ao próprio conceito do instituto, que correspondente a uma prestação pecuniária e compulsória que não constitua sanção de ato ilícito, conforme o artigo 2° do Código Tributário Nacional. Em outras palavras, os tributos (imposto ou taxa) não se prestam a punir ou desestimular ações contrárias à lei, assim como não deve ser visto como uma forma de planejamento de acidente, pois tal objetivo estaria mais vinculado a seguros e cauções.

A importância do setor mineral para a economia brasileira é inegável. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), o setor gerou uma arrecadação de CFEM no primeiro trimestre de 2022 de R$ 1,55 bilhão e representou 56% da balança comercial brasileira no primeiro quadrimestre deste ano. Há ainda a importância em relação à transição da matriz energética - necessária e já reconhecida por diversos países para a garantia das futuras gerações, entre outros benefícios sociais e econômicos, o que deve ser sempre ponderado.

É inegável que os acidentes de Mariana e Brumadinho causem na sociedade uma ânsia de que novas medidas sejam implementadas para que novos eventos não ocorram mais. As medidas de controle são extremamente necessárias e, robustecer o arcabouço fiscalizatório - aqui incluindo o incremento do corpo de agentes fiscalizadores, melhores e mais aprimorados sistemas de controle e mecanismos para o custeio de ações fiscalizatórias – é fundamental para avançar no desenvolvimento da atividade e, assim, torná-la cada vez mais sustentável.

Algumas medidas importantes já têm sido tomadas nesse sentido. Podemos citar a criação da Agência Nacional de Mineração a partir da Lei nº 13.575/2017, como uma das medidas para fortalecer o agente fiscalizador; a restruturação da lei de CFEM, por meio de alterações promovidas pela Lei nº 13.540/2017, bem como a alteração do regulamento do Código de Mineração, a partir da edição do Decreto nº 9.406/2018. Tais medidas foram previstas no Programa de Revitalização da Indústria Mineral lançado em 2017, a partir do qual temos notado avanços consideráveis para a restruturação do arcabouço minerário brasileiro.

Em 2019, a partir da Lei Geral das Agências (Lei nº 13.848/2019), há um claro movimento de revisão de todo o estoque regulatório com vistas a traçar uma sistemática de acompanhamento e planejamento da atividade normativa.

Ainda, a partir do evento ocorrido em 2019, fortes movimentos foram vistos, com a proliferação de inúmeras normas, culminando, entre elas, na Política Nacional de Segurança de Barragens (Lei nº 14.066/2020), que trouxe medidas de controle alinhadas com as melhores práticas internacionais. Observa-se, a partir de então, mecanismos fiscalizatórios contundentes que trazem um maior controle e visibilidade das medidas que vem sendo adotadas tanto pela Agência quanto pelos agentes regulados.

Em 2022, ainda houve nova alteração no Código de Mineração, que obriga a implementação de um “plano de contingência” para a prevenção de desastres ambientais. 

Quem observa de perto os avanços do arcabouço regulatório para aprimorar o ordenamento, e, sobretudo, para buscar incentivar uma atividade econômica cada vez mais sustentável, definitivamente questiona os contornos da decisão do STF, que parece buscar, por meio de uma suposta constitucionalidade de um tributo, punir todo um setor por considerar serem expressivos os lucros das empresas ou ainda, por preconceitos, parece entendê-la como irremediavelmente degradante.

A despeito do legítimo anseio de que novas tragédias não venham mais acontecer, não podemos subverter a ordem e distorcer o ordenamento jurídico nacional na busca por fragilizar todo um setor que, claramente, possui sua importância para a economia brasileira, especialmente em um momento macroeconômico cuja incerteza paira no ar.


* Paula Azevedo de Castro é sócia do Cescon Barrieu Advogados na área de direito minerário.