Agenda para uma eleição

04/08/2022
Coluna de Milton Rego

 

O Brasil se encontra preso em uma armadilha de baixo crescimento que já se estende por uma década. Desde 2011 a economia anda de lado e a renda per capita encolheu. Enfrentamos no momento uma inflação muito acima da meta e nenhuma perspectiva de escapar de um crescimento medíocre no curto prazo. Cenário que coloca a economia como um dos pontos centrais desta eleição. 

O diabo é que esse debate, entendido como campo de discussão de ideias, virou utopia. O que vemos é uma rinha de narrativas. Conceitos se reduzem a rótulos usados para desqualificar adversários, manchar reputações. Simplificações e distorções embaralham a compreensão do que está em jogo e dificultam perceber as nuances de pensamento ou do projeto de cada um que mira a cadeira do Planalto.

Nesse cenário, me preocupa especialmente um setor: a indústria. Vivemos um processo acelerado de desindustrialização. O Brasil está se tornando um mero exportador de commodities. E por que falar da indústria em um veículo especializado em mineração?

Por três motivos fundamentais. Primeiro e mais importante: como cidadãos, devemos refletir sobre as escolhas do presente. São elas que irão determinar não o desempenho das nossas empresas no curto prazo (isso já está dado), mas o ambiente econômico e o padrão de vida dos anos vindouros. Nossas escolhas serão determinantes para as novas gerações.

O segundo é que sem uma indústria desenvolvida e sem serviços sofisticados, a nossa mineração não será competitiva no longo prazo. O que significa caminhar no sentido de incorporar produtos de maior complexibilidade nas cadeias. Exportamos o grão do café e importamos uma cápsula da bebida 60 vezes mais cara! Com os produtos minerais acontece a mesma coisa. O nióbio e a bauxita que exportamos voltam como turbinas, por exemplo. O petróleo retorna como gasolina e produtos químicos. Eliezer Batista, uma das figuras mais lembradas quando se fala de mineração no Brasil, costumava dizer: “Não adianta ser um pavão na favela”.

O que torna poderosas as empresas (e a economia) dos países ricos? Poder de mercado e concorrência imperfeita – é isso que garante os maiores lucros. Empresas valiosas são aquelas cujos produtos têm “nome”: Iphone, Windows, Amazon, Audi, Mitsubishi, Zolgensma, LG, Siemens, GE, IKEA. Nessas companhias, os preços são estabelecidos em uma reunião da diretoria de marketing. 

Quando se vende produtos commoditizados, que hoje podem ser lucrativos mas amanhã não, os preços são aqueles que você lê no site da bolsa. Além disso, os custos crescem com o tempo – por exemplo, devido ao esgotamento das jazidas, uma característica de rendimentos decrescentes de escala. Esses, diferentes dos outros, são mercados perfeitos e mercados perfeitos são para os pobres, para commodities.

O terceiro ponto é a questão estrutural do papel da indústria. Uma indústria desenvolvida aumenta o nível salarial médio da mão de obra, aumenta o investimento em P&D, melhora a cadeia do comércio. Atividades com altos retornos crescentes de escala, alta incidência de inovações tecnológicas e sinergias, são fortemente indutoras de desenvolvimento econômico. 

O ecossistema descrito acima é fundamental para o aumento da competitividade. Como lembra o economista Erik Reinert, do University College de Londres, “a competitividade ocorre quando um país é capaz de aumentar os salários reais e, ao mesmo tempo, manter-se competitivo nos mercados mundiais. Hoje, nos países de economia periférica, essa situação parece invertida: para ser competitivo internacionalmente os salários são reduzidos.”

A questão da competitividade inclui, claro, educação de qualidade. É ela que forma a mão de obra qualificada, que necessita de empregos de qualidade e bons salários. É uma espécie de circulo virtuoso. Como diz Reinert no seu livro Como os Países Ricos Ficaram Ricos e Porque os Países Pobres Continuam Pobres, o aumento da produtividade de uma economia viria justamente da subida da escada tecnológica, da migração de atividades de baixa qualidade para as atividades de alta qualidade, rumo à sofisticação tecnológica do tecido produtivo. 

É em um ambiente assim que podemos vislumbrar uma especialização da mineração, com produtos diferenciados dos “normais” nos mercados de commodities (com elevados níveis de governança e baixa pegada de carbono, por exemplo) ou agregando processos ao longo da cadeia. Migrar de atividades de baixa qualidade (concorrência perfeita) para as atividades de alta qualidade (concorrência imperfeita) é um passo gigantesco. Mas serão essas atividades que alimentarão salários maiores, maiores lucros, maiores excedentes e maiores investimentos.

Para nos desenvolvermos como nação precisamos mudar a forma como pensamos a indústria, o que inclui setores como a mineração. Aliás, a mineração joga um papel fundamental. Evita que o Brasil tenha gargalos na balança comercial, diminuindo a dependência dos investimentos diretos externos. Também tem impacto sobre setores à jusante e à montante. Influencia os seus fornecedores (fabricantes de máquinas, serviços, construção civil etc) e é fundamental para o suprimento de cadeias.

Finalmente, devemos pensar o papel do Estado no desenvolvimento da indústria. O Estado deveria protegê-la nos períodos iniciais, cobrar eficiência quando madura e investir em infraestrutura e em pesquisa pura, aportes que somente o Estado faz. Exatamente o que está acontecendo agora nos Estados Unidos e na Europa. O empreendedor capitalista não atua em campos de pesquisa e de investimentos em que o retorno não é claro. Isso cabe ao Estado. 

Essa não é uma visão consensual. Mas, como dizia Churchill, “estude história. Na história estão todos os segredos da política”. Países da Europa, os Estados Unidos, o Japão, a China, mais recentemente a Índia, todos investiram (e investem) em políticas robustas para o desenvolvimento de sua indústria.